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Como os “cães de guarda” da imprensa ladravam para a caravana da ditadura passar em 1970

Do nada, um certo site da nova, novíssima esquerda, começa a derramar posts em série sobre a ditadura brasileira. Chama de “cães de guarda” dos milicos os jornalistas que apoiaram descaradamente a ditadura militar brasileira. O nome desse site é Conversa Afiada. Poderia se chamar mesmo Conversa Fiada, uma vez que seu editor, Paulo Henrique Amorim, foi um dos mais dóceis cãezinhos de guarda da ditadura nos anos 70. Para o desespero dele, não é difícil demonstrar.

Alguns leitores bem-intencionados têm se mostrado surpresos com a série de revelações. Acreditavam, de bom coração, na sinceridade de PHA em sua defesa do governo Lula, do governo da Dilma, do governo FHC, … até de gente como o Zé ‘empate’ Dirceu, na sua retórica a favor dos pobres e oprimidos. Acreditavam até que PHA nasceu na esquerda. Até que ele agora é líder do movimento negro.

Aos fatos.

Muito jovem, quando todos costumam ser de esquerda, PHA já era uma espécie de poodle dos homens de farda. Naquele tempo, a revista Veja não assinava a maior parte das reportagens e, por isso, não é fácil encontrar o nome de PHA em muitas delas. De  70 a 74, foi o editor de economia da revista, segundo atesta o próprio currículo que ele publica em seu site.

Nessa condição, pode-se dizer, com segurança, que todas as reportagens econômicas ufanistas, de apoio á ditadura, têm o dedo dele. Convido o leitor a passear pelas páginas de economia da revista naquele período, consultando o arquivo digital, aberto a todos na internet (mas se preparem para o enjoo, diante de tanta propaganda pró-ditadura). Alguma vezes, porém, o editor da revista, Mino Carta,  na seção “Carta ao Leitor”, denunciava a autoria das reportagens. E, quando isso acontece, não há como se esconder.

Foi o caso da edição de 26/08/70. Mino Carta escreve na Carta ao Leitor: “O anúncio do Programa de Integração Social [o PIS], o assunto da reportagem de capa daquela edição (página 28, texto final de Paulo Henrique Amorim e Emilio Matsumoto), confirma uma antecipação de Veja.”

O enjôo, caro leitor, começa pelo título: “Um programa à brasileira”.  Assim mesmo, com esse ufanismo patriótico de conveniência a serviço da farda e do coturno. A ânsia de vômito aparece no subtítulo grandiloqüente: “ A integração social através de um fundo sem igual”.

Poucos leitores não passarão mal com o texto em si. Começa com uma rematada mentira: “Quem ganhar pelo menos dois salários mínimos por mês receberá, na pior das hipóteses, seu ordenado multiplicado por 36, ao se aposentar depois de trinta anos de serviços.”

Prossegue com um delíro fascista, o do fim das tensões, naturais, entre patrões e empregados, algo que a ditadura perseguia a ferro, fogo e pau-de-arara. Eis aí o fulcro da questão, o que francamente interessava ao regime — e a seu lulu adestrado — na época: afastar as discussões sobre a participação nos lucros, esta sim, a verdadeira reivindicação dos operários.   “Estão evitadas na mensagem presidencial todas as possibilidades de tensão entre patrões e empregados. Não se fala em participação nos lucros. Ao contrário, criou-se uma fórmula original, retirada da famosa inventividade brasileira. Os empregados participarão, através de um fundo, do faturamento (ou seja, das receitas) das empresas e não de seus lucros (o que significa tecnicamente o resultado da diferença entre receita e despesa).”

E, claro, acaba por bajular o ditador Médici, mentindo para os brasileiros ao dizer que o general tinha como objetivo uma sociedade próspera e aberta, tudo o que o Brasil não era à época:  “‘O segredo mais bem guardado é o que todos imaginam’. A frase de Bernard Shaw, sábio dramaturgo irlandês, aplica-se inteiramente ao PIS. A notícia explodiu na semana passada com o impacto das grandes revelações. No entanto, analistas mais observadores já podiam prevê-la desde o dia 7 de outubro do ano passado, quando o Presidente Médici, pela televisão, comunicou que aceitava sua indicação para presidente da República. Naquele dia, mencionou seu desejo e promover uma revisão da distribuição da riqueza numa sociedade próspera e aberta. Na primeira reunião ministerial pediu aos seus auxiliares imediatos que estudassem medidas que viessem a marcar seu governo com as intenções reformistas a que se propunha.”

Não é segredo para ninguém que o lulu da economia de Veja se empenhava — e como! — em sua função de propagandista dos feitos homéricos do pior presidente que o País já teve. Pior no sentido de mais cruel, desumano. Aqui mesmo, neste espaço, publiquei outro dia um post revelando que PHA certa vez, nos idos dos 70, ganhou um prêmio Esso ao contestar o Censo, que acabara sair com algo que não convinha ao comando da quartelada. O IBGE, que não era propriamente um bunker do PIG de então, constatou que havia, como a história provou, uma enorme concentração de renda no tal Milagre Econômico. PHA, no entanto, se fiou a um estudo assinado por Carlos Langoni para desqualificar o censo e provar que o Brasil Grande era maior e mais justo do que realmente era. Maior e mais justo. Au-au!

Volto ao assunto anterior. Na descrição do PIS, PHA não poupa adjetivos para vender aos brasileiros a falsa imagem de que o programa era uma coisa genial. Para isso, adula todos os czares da ditadura da época, para que nenhum deles se sentisse enciumado:  “Acabou surgindo a fórmula do PIS, árvore de muitas sementes, depositadas com cuidado por Delfim, Barata, Leitão de Abreu, chefe do gabinete civil, e poucos assessores. (…) Fecha-se assim o círculo desse engenhoso mecanismo”. Engenhoso, diga-se de passagem, a ponto de ser anunciada desta forma: “Afastada a solução da participação nos lucros, o presidente apelou para a imaginação criativa de seus ministros“. Só elogios!

Não se esqueçam, ele estava falando do PIS, que vocês conhecem tão bem.

Para não haver dúvidas sobre a grandiloquência do projeto do recém-empossado ditador Médici, fecha com uma declaração de Delfim, com o objetivo de anestesiar os trabalhadores de então, vítimas do que, na época, chamavam de arrocho salarial: “‘O fundo demonstra claramente a preocupação do governo com os trabalhadores. Além disso, significa também uma verdadeira abertura política, já que as lideranças parlamentares foram convocadas pelo Presidente Médici para conhecerem com antecedência o conteúdo do programa’, disse Delfim. Para o ministro, porém, o PIS tem uma inestimável vantagem adicional, não fosse ele um de seus idealizadores: ‘Essa fórmula é brasileira. Não há no mundo sistema idêntico ou semelhante.’”

Verdadeira abertura política no governo Médici, cara pálida? Au-au!

Ora, em 1970, o Brasil vivia o auge da ditadura militar, com Dilma presa, torturada, assim como milhares de outros. Não havia sociedade próspera e aberta coisa nenhuma. E também nenhuma integração entre patrões e empregados. A reportagem, na verdade, é uma peça de propaganda da ditadura. Escrita pelo PHA.

Por que relembro todos esses casos? Porque acho que os jornalistas devem viver da verdade. Não à toa, conheço poucas pessoas que sejam contra a Comissão da Verdade. Os brasileiros, sem prejuízo da Lei da Anistia, devem conhecer a sua história. Mas esse conhecimento tem de ser completo. Se devemos conhecer quem eram os torturadores e golpistas, devemos saber quem eram os jornalistas que os apoiaram — a verdadeira imprensa golpista, que propagandeou sem nenhum constrangimento o golpe militar. A Comissão da Verdade pode começar por aí.

Para que você não se perca nesse emaranhado diáfano da história, publico na íntegra a reportagem ufanista que Paulo Henrique Amorim produziu. Reiterando que o Blog do Pannunzio não descontextualiza declarações para construir a crítica política, prática comum em certos canis virtuais contemporâneos.

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