Pannunzio Comunicação – Blog do Pannunzio

Mais Médicos, Mais Valia

O ex-presidente Lula, em suas camelagens pela África, repetiu inúmeras vezes o discurso do opressor/explorador arrependido de antanho. Segundo sua lógica, o Brasil deve às republiquetas provedoras de escravos uma compensação pelo tráfico negreiro do passado. E os tataranetos-forros dos negros da senzala merecem uma compensação histórica. No plano interno, isso repercutiu em bolsas e cotas para isso e para aquilo. No externo, no perdão a dívidas contraídas por ditadores e corruptos em geral que governam com mão-de-ferro os grotões do planeta.

Não concordo com o discurso do opressor/explorador arrependido. É prepotente, serve apenas para ressaltar as virtudes do arrependido e apequenar, no momento presente, a autoestima do oprimido pela história. A rigor, para que a lógica tivesse efeito, seria necessário também processar a França por ter expulsado a Corte de Portugal nas guerras napoleônicas.

Mas concordo com a necessidade de médicos para trabalhar onde os nossos não vão. E não vão por causa da insegurança jurídica nas relações com as prefeituras, pela falta de atrativos econômicos e, principalmente, por não disporem de meios para exercer o seu mister.

Faltam médicos no Brasil. Faltam ainda mais nas lonjuras, onde ninguém quer mesmo ir. Vá a Iauretê, na Cabeça do Cachorro amazônica, e veja se você gostaria de passar uma temporada ali. Em algumas localidades, leva-se três ou quatro dias de piroga até o aeroporto mais próximo, onde os aviões pousam uma vez por semana e as passagens são caríssimas.

Ali, quem atende a população são os médicos militares. Esses sim, forjados no ferro quente do patriotismo e conhecedores da hierarquia, vão sem reclamar. E prestam um enorme serviço a quem está assistido apenas por Deus, quando Deus resolve dar uma incerta por lá.

Ocorre que nem eles, tão cientes quanto silentes das péssimas condições oferecidas pelo governo, conseguem trabalhar direito. Não porque não queiram. Simplesmente porque não podem.

Imagine o que vai encontrar um desses médicos cubanos ao chegar a São Gabriel da Cachoeira: remédios em falta (ou vencidos, quando há), falta de meios para a realização de diagnósticos,  prédios inadequados para a internação dos doentes, carência de insumos para a realização de procedimentos cirúrgicos simples.

O que fará o doutor cubano quando não dispuser de antibióticos para debelar uma pneumonia ou dilatador dos brônquios para restabelecer o fluxo de ar para os pulmões de um paciente com crise aguda de asma ? Fará poucos mais do que um um pai-de-santo ou pastor neopentecostal pode conseguir com a imposição das mãos.

O problema, portanto, passsa pela falta de médicos, mas não se resume a ela. E é louvável o esforço do governo para mitigá-la, com a ressalva de que isso não irá resolver o ponto central.

Mas há um problema ético a ser resolvido com essas contratações. E ele constitui, também, um grande problema político para o presente e um dilema moral para o futuro. Um dia , daqui a 200 anos, Lula Bisneto, presidente da República Futurista do Brasil, ainda vai pedir desculpas a Cuba por ter se valido do trabalho escravo de seus profissionais de saúde no Século XXI.

Mais Valia

Os médicos cubanos abundam. São mais de 5 mil novos doutores por ano. Em seu País, não há espaço nem necessidade no mercado de trabalho para todos. O que faz boa parte desses doutores ?

Vá a Havana e pegue um táxi. Pergunte ao motorista qual é sua profissão. Ou é engenheiro, ou é médico. É assim que muitos ganham a vida lá: trabalhando como prestadores de serviço em apoio ao turismo, que hoje constitui o motor da economia da Ilha. Em troca de “propina”, que em espanhol quer dizer gorjeta.

Os plantões nos hospitais pagam aos doutores cerca de 30 dólares mensais de salário. Eles também têm direito ao recebimento de uma caderneta por meio da qual assegurarão uma ração básica (e escassa) composta por algum arroz, meio quilo de frango ou peixe, um sabão etc. Essa ração, no entanto, não é suficiente para sustentar o metabolismo que dá suporte à vida humana. Fica muito abaixo dos mínimos calóricos e proteicos necessários.

O resultado é que a população tem que se virar para conseguir o restante, que é caríssimo. Imagine alguém que ganha 25 dólares por mês ter que pagar 5 dólares por um litro de óleo no mercado negro. É assim que funciona. E onde eles conseguem esses cinco dólares ?

A resposta, simples e direta, é abominada pelos cubanófilos. Eles partem para a ilegalidade, a infomalidade ou atividades criminosas como a falsificação de charutos e a venda de drogas. A prostituição grassa no Malecón. Com 50 dólares, você pega até uma sobrinha-neta do Fidel Castro. E ainda ouve um “eu te amo” como bônus. Não é por acaso que a corrupção está tão impregnada na alma dos cubanos quanto o Yoruba: o Estado leva a isso.

Uma das atividades mais prolíficas para os médicos cubanos é o aluguel de endereços de e-mail. Privilegiados, eles são uma das poucas categorias profissionais com acesso a um endereço eletrônico. Ao contrário do restante da população, podem ter um modem jurássico em casa e receber sua correspondência em arcaicos terminais de computador. Não têm acesso à web, que permanece vedado,  mas podem trocar mensagens com colegas.Como muitos deles não usam o serviço para fins profissionais, alugam seus endereços de e-mail para terceiros. Com isso, fazem mais 20 ou 30 dólares por mês e dobram sua renda.

O Estado cubano viu no mote socialista a justificativa moral e econômica para a apropriação da força individual de trabalho. Há muito Cuba vive da locação de trabalhadores para os mais diversos fins. Os hotéis que se instalaram nos centros turísticos, por exemplo, pagam até US$ 3 mil por um maitre ou chefe de cozinha ao Estado, que se transformou no maior agenciador de trabalhadores do planeta. Mas o quinhão dos trabalhadores é ridículo, não passa do salário-padrão de pouco mais de 20 dólares. Todo o restante é apropriado pela ‘Revolução’. O governo de Cuba é o ‘gato’ planetário, que vive da exploração em massa do trabalho alheio.

Conheci em Havana um advogado que era motorista de táxi. Ele me serviu quando estive lá, um ano e meio atrás. Permenceu conosco uma semana, falava português e fazia jornada dupla como informante das forças de segurança. A cada parada da nossa equipe de reportagem, ele fazia uma chamada de seu telefone celular avisando “la madre” onde estávamos e o que estávamos fazendo. Mas era gentil e ficou nosso amigo.

Ele me contou como conseguiu comprar um carro, um Nissan 1995, raridade em meio ao mar de carrões dos anos 50. Disse que se inscreveu num desses programas de exportação de mão-de-obra e foi trabalhar num navio de cruzeiro. Foram sete contratos consecutivos. Ganhava os 25 dólares por mês de salário. O governo cubano lucrava 3 mil por mês com seu sacrifício.

León poupava cada centavos das gorjetas que recebia. Assim, amealhou o dinheiro necessário para comprar, no mercado paralelo, seu Nissan quase novinho em folha. A autorização para a transação só foi obtida após esses sete anos de escravidão ultramarina. Hoje, ele ganha por dia o que um cidadão normal só consegue em um mês de trabalho. Ou seja: sua renda passou a ser, em média, 30 vezes maior do que a de um médico com dedicação integral na mesma cidade.

Os doutores que chegam de Cuba são atraídos pela mesma lógica. Não se sabe quanto lhes restará ao final de cada mês de penitência nos grotões brasileiros. É pouco provável que a cifra se situe distante desse patamar de duas ou três dezenas de dólares a que fariam jus se tivessem ficado em sua Ilha.

Para o governo escravocrata de Cuba, no entanto, os primeiros 400 profissionais de saúde a chegar representarão muito: quase US$ 25 milhões ao ano em receitas provenientes da expropriação do resultado do trabalho desses servos pós-modernos.

Ao governo brasileiro, responsável pela contratação, restou a abjeta tarefa de legitimar essa apropriação e instalar as grades de um sistema que visa prender os cubanos dentro dos limites ampliados do território exíguo de Cuba. Se ameaçarem permanecer por aqui, se sentirem o gosto doce da liberdade de dizer e fazer  o que bem entenderem, terão como alternativa apenas o retorno à sua ilha-presídio. O governo brasileiro não vai tolerar desertores e não pestanejará em mandar de volta os arredios ao menor sinal de que algo não vai bem com sua subordinação. Já temos ‘know-how’:  o mesmo empregado quando da ultrajante deportação dos boxeadores cubanos que ameaçaram desertar por aqui.

Foram devolvidos pelo Brasil, que aceitou o papel ultrajante de carcereiro de cubanos insurretos, para logo depois desertar da própria ilha, indo parar em Miami.

Por isso tudo, fica claro que, a despeito da utilidade que vierem a ter no Brasil — e é certo que terão — e do altruísmo que move muitos deles, os médicos estarão fazendo dinheiro para sustentar a máquina estatal cubana. É esse o seu papel.

Assim como é papel do governo brasileiro pagar a Cuba o que Cuba cobra para mandar seus escravos de jaleco branco, não porque os médicos são necessários nos grotões, mas porque o governo brasileiro entende que precisa subsidiar de alguma forma a sobrevivência da ditadura dos irmãos Castro, que serve como modelo de sociedade ideal para as hostes petistas.

Anote aí, e me cobre daqui a 200 anos. Lula Bisneto, se um dia vier a existir, ainda vai pedir desculpas aos cubanos, assim como seu bisvô um dia pediu perdão às repúblicas africanas que provieram escravos negros para a lavoura brasileira.

Share the Post:

Join Our Newsletter