Reproduzido do original publicado pelo site Consultor Jurídico
Processo nº 0249029-18.2009.8.19.0001 – PHA é condenado a pagar R$ 50 mil de indenização por ter comparado Daniel Dantas a um traficante
Trata-se de ação de reparação de danos, proposta por DANIEL VALENTE DANTAS, em face de PAULO HENRIQUE AMORIM, onde alega em sua exordial de fl.02/13, em síntese que em abril/2008 o réu publicou em seu blog na Internet, ´Conversa Afiada´ matéria jornalística na qual vincula uma foto do autor a um líder de tráfico na favela. Sendo, portanto, constatado o propósito ilícito do réu de ofender o autor, comparando-o com um traficante de drogas, bem como ainda, chama o autor em letras garrafais de ´líder do tráfico nas favelas´. Assim, o ânimo de injuriar e difamar o autor na reportagem reclamada fica mais evidente quando se constata a natureza dos sentimentos pessoais que o réu nutre em relação ao mesmo. Ao final requer a citação do réu; julgamento procedente para condenar o réu a indenização pelos danos materiais e morais; condenação do réu nas verbas sucumbenciais. Com a inicial vieram os documentos de fls.14/61 Contestação nas fls. 74/95, instruída de documentos de fls. 96/119. Arguiu preliminar de conexão e falta de interesse processual. No mérito alega que não ultrapassou os parâmetros de suas prerrogativas profissionais, sendo vedado ao autor socorrer do judiciário para impedir atividade jornalística; que lhe foi assegurada a liberdade de expressão e criação profissional da comunicação para que pudesse redigir seus textos sob a acepção crítica; que a matéria produzida em abril/2008 reproduz tão somente o texto confeccionado pelo jornalista Rubens Glasberg, editor da Teletime News, demonstrando a fragilidade de seus argumentos; que o conteúdo da matéria em debate é objeto de discussão e crítica por toda a imprensa nacional. Ao final requer o acolhimento da preliminar arguida com a improcedência dos pedidos, onerando-o dos consectários de estilo. Réplica nas fls.121/138. O réu juntou documentos nas fls. 139/158. O autor apresentou documentos nas fls. 174/295. Sem mais provas. É O RELATÓRIO DECIDO Trata-se de ação ordinária de cunho indenizatório onde o autor busca ressarcimento por danos material e moral em função de divulgação em blog na Internet de autoria do réu com referências injuriosas ao autor assim como utilização de sua imagem. A preliminar de ausência de interesse processual não merece prosperar em razão do próprio argumento apresentado, pois diz os o veiculado não se reflete na honra do autor, ou seja, a preliminar diz que a notícia seria um mero debate amparado pela liberdade de expressão e imprensa e que seria matéria de relevante interesse público. Nada mais falso a matéria ultrapassa os limites constitucionais da liberdade de expressão para atingir a honra do autor. Afasta-se, portanto esta preliminar. Na verdade, a presente demanda é apenas mais uma das diversas envolvendo as mesmas partes; de um lado o autor investidor e banqueiro e o réu jornalista conhecido nacionalmente. O réu é explícito em dizer que sua questão com o autor é pessoal e os documentos anexados ao processo não deixam dúvidas sobre isto. Ao utilizar este espaço de mídia não faz questão alguma de afastar o ódio pessoal que sente pelo autor o que evidentemente traz a questão para o lado mais simples da rixa pessoal. Neste sentido sem qualquer substância jurídica a defesa no sentido de estar exercendo sua profissão nos limites éticos utilizando apenas de sua liberdade de expressão. A Constituição em vigor aceitou e consagrou a plena reparação por dano moral, alçando este direito à categoria de garantia fundamental (Art. 5º, incisos V e X, CF 88), considerando-o como cláusula pétrea. Agora pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente aquele que estabelece a reparação por dano moral no nosso direito, obrigatório para o legislador e para o juiz, advindo no mesmo sentido o Código de defesa do consumidor (lei n.º 8078/91). O fundamento da reparabilidade pelo dano moral segundo o mestre Caio Mário da Silva Pereira está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. O dano moral atinge os bens da personalidade, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. Nessa categoria, incluem-se também os chamados direitos da personalidade: a intimidade, o direito de imagem, ao bom nome, a privacidade, a integridade da esfera íntima. O dano moral, portanto, ao englobar os chamados direitos da personalidade procura tutelar o interesse da pessoa humana de guardar para si ou para estrito círculo de pessoas, os variadíssimos aspectos de sua vida privada, tais como: convicções religiosas, filosóficas, políticas, sentimentos, relações afetiva, sucesso em sua vida profissional, estado de saúde, situação econômica e demais aspectos condizentes com sua vida privada. Quando se utiliza a imagem de qualquer cidadão deve o veículo de comunicação manter contrato autorizando a veiculação deste direito da personalidade que possibilita sua veiculação mediante autorização e essa utilização fora dos limites contratuais gera direito a dano moral. Se for com base em interesse público deve estar respaldada em inquéritos ou processos que justifiquem a publicação. A imagem, assim como a honra, a intimidade e a vida privada são bens personalíssimos que podem ser objeto de conduta ilícita de outrem, acarretando para seu titular dano patrimonial ou moral ou ambos. O Direito à imagem, segundo o prof. Carlos Alberto Bittar é o direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e que a individualiza no seio da coletividade. Faz parte dos direito da personalidade. O direito à imagem se destaca dos demais direitos à personalidade pelo aspecto de sua disponibilidade, ou seja, passível de utilização mediante autorização. Quando cuidamos de princípios constitucionais estes devem ser conciliados, sempre que tais direitos são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria constituição. Assim, ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra, da imagem. A consequência lógica, portanto, seria que este último condiciona o exercício do primeiro. É certo ainda que ao políticos e os homens público em geral devem sofrer um espetro de críticas maior do que cidadão anônimo. Nestes casos se alarga o conceito de crítica possibilitando alguns artigos mais contundentes, notadamente com relação a críticas à administração ou a condução de políticas públicas e o juízo até entende que o réu como jornalista teria direito a fazer duras críticas ao autor por se tratar de influente banqueiro em nosso país, entretanto, não se deve fazer este tipo de comparação que apenas apequena forma de se fazer jornalismo do réu e retira qualquer conteúdo de interesse público para reafirmar a rixa pessoal. Em suma, a imagem do autor foi anexada no ´blog´ do réu que o identificou como um líder de tráfico em favela sendo certo que a exposição do autor como bandido gera um inafastável direito a ser indenizado por dano moral. O dever de informar não pode expor as pessoas da forma como aconteceu este fato deixando transparecer simplesmente o ódio pessoal do réu para com o autor. Não há dúvida que a liberdade de imprensa e informação é postulado constitucional a ser preservado, contudo a informação deve ser pautada em informações verdadeiras e dentro de um procedimento ético. Não se está aqui, tentando impedir que a imprensa cumpra a sua função social de informar fatos relevantes para o interesse da coletividade. Apenas se está advertindo que embora nobre a função de informar, esta não pode se sobrepor ao bom senso e às cautelas inerentes a profissão jornalística. O fato é que a própria Constituição ao dispor sobre a liberdade de Imprensa em seu artigo 220 criou o que alguns autores chamam de reserva legal para os direitos da personalidade ao determinar no exercício da liberdade de imprensa a observação do disposto no artigo 5.º, IV, V, X, XIII e XIV. Em suma, a liberdade de imprensa é mitigada pelos direitos da personalidade. Muitos dizem que a liberdade de imprensa serve para proteger os amigos e atingir os inimigos deixando transparecer ódios pessoais. Neste sentido, o próprio réu diz nas reportagens anexadas aos autos que se via proibido de falar de determinadas pessoas em emissoras comunicação em que já trabalhou sugerindo uma censura interna que efetivamente não chega ao grande público. Não é o caso deste processo onde o réu faz questão de afirmar que possui uma questão de cunho pessoal com o autor. Inicialmente, cumpre observar que, na presente ação, não se está discutindo o direito/dever do réu informar e veicular em seu blog matéria de interesse público, aliás, de responsabilidade única do jornalista réu, mas sim se esse direito à informação foi exercido de forma consciente. O réu poderia ser o maior opositor do autor em suas práticas sociais sem contudo ferir o comportamento ético de sua profissão e optou pela agressão. O cerne da questão, portanto, reside em verificar se a matéria veiculada pelo réu se deu de forma responsável, ou se implicou violação aos direitos e garantias individuais do autor, ferindo sua dignidade. Neste processo o réu diz em seu ´blog´ na Rede Social de computadores Conversa Afiada, ao comentar uma a reunião da empresa Brasil Telecom que houve uma entrevista onde um presidente de fundo de pensão teria dito que fazia acordo com o autor na mesma situação do morador de favela que faz acordo com traficante. ´Esta entrevista citada no ´blog´ do réu o fez colocar como título da matéria a seguinte expressão:´ ´FUNDOS DE PENSÃO FAZEM ACORDO COM LÍDER DO TRÁFICO NA FAVELA´ colocando ao lado a foto do autor com a seguinte indicação Dantas: Fundos rasgaram o BO, ou seja, fazendo correlação direta do autor como um líder do tráfico de drogas. A forma agressiva com que trata o autor deixa clara a intenção de denegrir o que evidentemente é coisa que passa muito longe da liberdade de expressão e de um exercício legal da profissão de jornalista. Evidentemente interessa ao réu continuar sua guerra pessoal em face do autor e toda vez que este se sentir vilipendiado por expressões que fogem à ética jornalística voltará a ajuizar essas ações. O réu em entrevista (fls. 48) ao ser indagado pelo jornal Folha de São Paulo diz: ´O Diogo Mainardi fez uma acusação pessoal a mim e, por isso, eu o processo no crime e processo a ele e a editora Abril no cível por causa dessa acusação que ele fez e vai ter que provar na justiça´. O réu na mesma entrevista (fls. 53) ao ser indagado pelo jornal Folha de São Paulo sobre notícia específica também veiculada em blog de terceiros em que se perguntava: ´Por que o Paulo Henrique, por exemplo, teve passagens pagas pelo governo para dar palestras em Brasília´? O autor responde que é mentira e acrescenta: ´Isso aí é o tipo de questão que você só trata com advogado… Então, esse tipo de acusação, por exemplo, a que me fez o Diogo Mainardi, a gente só resolve com advogado. Não adianta bater boca na imprensa. Tem que contratar advogado e processar. Mais adiante acrescenta:´ é preciso responsabilizar as pessoas que escrevem na Internet. Eu sou a favor de processar, eu sou a favor de chamar à responsabilidade. Não tem conversa. Eu estou processando o Diogo Mainardi e acho que vais ser interessante acompanhar este processo. E eu espero que isso se multiplique´. Na mesma entrevista às fls. 54 dos autos diz o réu a razão porque entende que as ações de indenização por agressões pela rede social iriam aumentar: ´Porque as pessoas acham que têm a liberdade de dizer qualquer coisa, de ofender os outros e aí as pessoas que se sentirem ofendidas vão processar. Folha E isso cabe à justiça. Paulo Henrique -Eu tenho essa posição. É muito mais interessante você contratar um bom advogado do que ficar batendo boca na Internet. Tá bom´? O réu, portanto, sabe muito bem utilizar o judiciário quando se sente aviltado em qualquer de seus direitos da personalidade e em contrapartida deve arcar com as consequências quando busca também atingir a honra de outro. Acredito que é inafastável a responsabilidade do réu ao comparar o autor a um líder de tráfico em favela apenas para dar vazão ao seu ódio pessoal Vale, ainda, transcrever trecho da já clássica obra do Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil (2 ed., rev., aum. e atual.), acerca do tema: ´…o dano moral existe in re ipsa, deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum´ (p. 80) . Importante ressaltar, também, que o ressarcimento cível do dano moral não pode se transformar em uma forma de enriquecimento sem causa e sim servir de reconforto para aquele, que de uma forma ou de outra, passou por situação bastante constrangedora sem que para ela desse causa e de desestímulo para o agente provocador que deve sentir, também financeiramente as consequências de sua negligência. Tal parcela guarda um caráter punitivo, com vistas a evitar a repetição de fatos dessa natureza, pelas gravosas consequências ao autor da ação e a terceiros. Nesse sentido, entendo que a limitação em valor certo igual a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) equacionaria a balança entre a repercussão jurídica e a parcela de cunho punitivo Neste sentido decisão do TJ-RJ abaixo transcrita: ´CIVIL E COMERCIAL – Dano Moral – Arbitramento pelo juiz (TAcív.-RJ) – A reparação do dano moral deve ter um caráter punitivo e, também, um caráter compensatório´. Assim, o seu arbitramento deve recair no ´arbitrium boni viri´ do juiz (TACív.-RJ — unân. da 4.a Câm., reg. em 18-03-92 — Ap 10499/91 — Juiz Mauro Fonseca — Expresso Nossa Senhora da Glória Ltda. x Demerval dos Santos) O pedido de dano material, entretanto, não se justifica em qualquer prova produzida nestes autos. O dano material indenizável deve estar plenamente materializado e identificado no processo e não há qualquer suporte probatório neste sentido. Entendo que a matéria é eminentemente de dano moral. Por todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO extinguindo o processo com apreciação do mérito, na forma do art. 269, I do CPC e condeno a ré a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), quantia esta devidamente corrigida da prolação desta Sentença e acrescida dos juros legais de um por cento da data da publicação até a data do efetivo pagamento. Julgo improcedente o pedido de dano material. Condeno ainda o réu diante de sua maior sucumbência ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em vinte por cento sobre o valor desta condenação, quantia esta devidamente corrigida nos mesmos moldes da condenação principal. Publique-se, registre-se e intimem-se.