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Em busca do aquecimento XI – Aquela nuvem que passa lá cima… é meia Itaipu

Tempestade se arma sobre São Paulo: quantas Itaipus vai chover hoje ?

De 4 a 7 deste mês choveu 100 milímetros por metro quadrado em São Paulo. Trocando em miúdos, em cada metro quadrado de superfície da capital paulista choveu o suficiente para acumular uma coluna de água de 10 centímetros, o que equvale a 100 litros. É água pra burro, especialmente em um mês que normalmente tem baixa pluviosidade.

Para o objetivo deste post, pouco importa se a chuva caiu dentro ou fora de sua estação. O que eu quero é que você perceba as forças envolvidas no processo singelo de formação das nuvens.

Elas parecem inofensivas, “carneirinhos” voadores a deslizar suavemente sobre nossas cabeças. Ledo engano. As nuvens, especialmente as nuvens de tempestade, têm em seu bojo um conjunto imenso de forças descomunais.

Quem chamou minha atenção para isso foi o Professor Luis Carlos Molion, com quem tive o prazer de conviver durante vários dias para a produção da série sobre o aquecimento global que o Jornal da Band veiculou na semana passada.  Ele é um dos maiores climatologistas do País. Tem assento em duas universidades estrangeiras importantíssimas e nem por isso fala de maneira empolada. Molion torna a ciência do clima algo inteligível para qualquer pessoa com inteligência mediana, caso do blogueiro que edita esta página.

Não sei se já comentei isso com vocês, mas faço desde o ano passado um curso de piloto privado para literalemente dar asas a um sonho de infância. A parte teórica da instrução é compreendida por cinco matérias. Uma delas é justamente a meteorologia, onde o candidato a piloto aprende as noções básicas sobre o ambiente onde se dá o vôo. É interessantíssimo.

Para quem está voando, as nuvens são sempre um obstáculo e ser evitado. É bem diferente enxergá-las daqui de baixo e enfrentá-las lá em cima. As piores são as cumulus-nimbus, aquelas nuvens de tempestade que na previsão do tempo aparecem como “nuvens de trovoada”. Elas são gigantes de vento, gelo e água. Em seu interior há correntes de ar que podem chegar a quase 200 quilômetros por hora no sentido vertical — para cima e para baixo. Sempre que você avistar uma nuvem produzindo raios e trovões, será uma CB (abreviação para cumulus-nimbus).

Mas elas não são as únicas capazes de produzir chuva. Choveu sem relâmpagos, não é CB. Mas não importa muito o tipo de nuvem também. O importante é o processo que leva à sua formação. É disso que vou falar agora, reproduzindo o que aprendi com o Professor Molion.

4187, um número cabalístico

As nuvens são formadas a partir do processo de evaporação da água. Você mesmo ajuda nesse processo toda vez que vai coar um café ou cozinhar uma moqueca. A água que evapora da panela e some no ar vai subindo, subindo, subindo, até se defrontar com uma camada de ar muito mais frio. Aí o vapor perde energia e a água se condensa em pequenas gotículas.

A condensação faz com que a nuvem “apareça” no céu. Já observou como a base delas é quase sempre reta ? Aquele é o pé da nuvem, que demarca a altitude em que o ar está frio a ponto de provocar a condensação.

Voltemos à panela e ao fogão. Mesmo que não seja um expert em culinária, você já deve ter fervido uma água alguma vez na vida, certo ? Pois você deve ter observado que a evaporação não é um porcesso imediato. Ela demora algum tempo até que a energia da chama agite as moláculas da água a ponto de formar bolhas no fundo, que vão se desprendendo e subindo em direção à superfície.

Com o ar acontece da mesma forma. A “panela” é o chão, o “fogão” é o sol, e a “água” é o ar — um fluido que tem um comportamento muito parecido com qualquer outro. O sol aquece o chão, que aquece o ar, que cria bolhas quentes que, por sua vez, se desprendem do chão quando uma força chamada empuxo fica maior do que o peso do ar mais frio.

Muita gente não sabe, mas o ar é bem pesado. Um metro cúbico de ar pesa 1,37 kg. É muito, não é ? A gente normalmente pensa que ar não tem peso. O ar aquecido é mais leve do que o ar à temperatura ambiente. É por isso que essas bolhas de ar acabam se descolando do chão e subindo como um balão. Junto com os gases, sobe também vapor de água (até 4% da massa de ar é formada por vapor de água). E quando esse vapor atinge a camada mais fria, condensa e “aparece” no céu sob a forma de nuvem.

Se quiser fazer uma experiência caseira para acompanhar o raciocício deste post, pegue uma panela, ponha dentro um litro de água e coloque sobre o fogão. Veja só quanta energia é necessária para que todo o líquido evapore. Assim que a última gota desaparecer do fundo da panela, você terá transferido exatos 4.187 joules de energia para o líquido em ebulição. Eis aí um número cabalístico.

Agora observe um detalhe: Joules são a medida da energia. A potência, que é energia empregada num determinado período de tempo, mede-se em Watts. Você está acostumado a ver essa unidade nos rótulos dos produtos eletrônicos e eletrodomésticos. A sua conta de luz vem em quilowatts/hora, e não em joules. Estou explicando isso porque vamos utilizar as duas unidades para dimensionar a energia necessária para formar uma nuvem e estabelecer padrões de comparação para que possamos entender como fenômenos naturais envolvem forças estrondosas, estrepitosas e gigantescas.

Vamos fazer um corte enquanto a água ferve na sua panela e voltar para as chuvas de junho em São Paulo. Em apenas 4 dias, como eu disse lá em cima, tivemos 100 milímetros de coluna água por metro quadrado.  Ou 100 litros para cada quadrado de um metro por um metro de superfície em São Paulo.

A área total do município de São Paulo é de 1.523 quilômetros quadrados. Ou 1 bilhão, 523 milhões de metros quadrados. Multiplique isso por 100, que é o número de litros de água que caiu em cada metro quadrado, e você vai ter 152,3 bilhões de litros desabando do céu em quatro dias do início de junho. Sabe a que isso equivale ? A 70 vezes o volume total contido pela Baía de Guanabara.

Se choveu tamanho volume em São Paulo, você há de convir que esse aguaceiro todo veio de algum lugar. E veio mesmo. Veio da evaporação de água contida provavelmente no Oceano Atlântico.

Agora pense: quanta energia seria necessária para fazer evaporar as 70 baías de Guanabara que desabaram sobre a capital paulista ? Vamos fazer as contas.

Cada litro exigiu 4.187 Joules. Como são 152,3 bilhões de litros, a energia total será de 637,7 trilhões de Joules.

O tempo em questão para a dispersão dessa energia toda foi de quatro dias. Quatro dias têm 96 horas. Então, vamos dividir a energia envolvida no processo por 96. Teremos uma média de 6,64 trilhões de Joules a cada hora. Vamos continuar dividindo para que possamos saber quanto de energia por segundo isso repressenta. Uma hora tem 60 minutos, e cada minuto, 60 segundos. Portanto, a cada hora teremos 3.600 segundos.

Vamos então passar adiante dividindo a energia empregada por São Pedro neste junho chuvoso por 3.600 para saber quantos watts de potência foram “empregados” nesse processo. São 6,64 trilhões de joules divididos por 3600 segundos. O resultado é 1,845 milhão de Joules a cada segundo.

Já sabemos que um Joule por segundo equivale a 1 Watt, unidade com a qual estamos mais acostumados no nosso dia-a-dia. Então, a potência envolvida nas chuvas que caíram entre 4 e 7 de junho terá sido de 1,845 milhão de Watts (joules por segundo), ou 1,845 megawatts/segundo.

Mas essa conta ainda nos diz pouco. Vamos ter que calcular o que isso significa em termos de milhão de watts por hora para poder fazer uma comparação com algo que salte aos nosso olhos. Precisamos enxergar essas grandezas, cotejá-las com algo palpável. Então vamos lá: cada hora tem 3600 segundos. Multipliquemos, pois, 1,845 megawatts/segundo por 3.600. O produto dessa operação nos dá 6.642 megawatts/hora de potência. Ou 6,64 gigawatts/hora. Anote esse número.

Agora já temos um parâmetro para comparar com algo que conhecemos: o potencial da Usina de Itaipu, a maior do mundo, maior até do que a de Três Gargantas, na China. Ela tem uma capacidade instalada de 14 gigagatts/hora. Para saber o que a energia das chuvas representa, divida os 6,64 gigawatts/hora da chuvarada de junho pelo potencial de Itaipu. Você vai concluir que ela equivale a 47,44% da eletricidade que é produzida pela nossa hidrelétrica.

Ou seja: para fazer evaporar a água que formou as nuvens e depois caiu sobre São Paulo em quatro dias do nosso inverno molhado, seria necessário que metade da potência da maior hidrelétrica do planeta fosse destinada ao enorme fogão com o qual São Pedro faz os seus cozidos. Da potência máxima, ressalte-se.

Mas isso ainda não é tudo. Estamos tratando da média, e não do que efetivamente se deu na grande cozinha meteorológica que encharcou os paulistanos. O fogão da natureza é ligado ao nascer do sol e desligado quando ele se põe. E a intensidade da “chama” solar varia ao longo do dia.

Neste mês, os dias têm uma insolação média de cerca de 10 horas e 40 minutos. O que isso significa ? Significa que toda a energia de Itaipu teria que ser direcionada para a evaporação da água que caiu em São Paulo nesses quatro dias se fose efetivamente considerado o período em que há energia disponível para aquecer a grande panela das chuvas paulistanas.

Cumpre-se assim o enunciado no começo deste post. As força envolvidas no processo de criação das condicionantes meteorológicas são realmente enormes, gigantescas, tenebrosas e magníficas. E tudo a partir daquele solzinho brando, que mal se afasta do horizonte quando está no seu apogeu, que jamais tangencia o centro do céu porque brilha a pino sobre o Trópico de Câncer, e não sobre o de Capricórnio, onde estamos, nesta época do ano.

Viu como é lindo e impressionante poderoso esse processo ? Agora, faça um exercício mental e imagine o que acontece na Amazônia, onde as chuvas do inverno paulistano seriam consideradas pouco mais do que uma garoa. E tudo graças ao sol ameno do inverno, do qual as morenas marombadas tanto reclamam porque não tem força suficiente para manter o bronzeado.

Vamos tratar disso outro dia. Agora, vou ligar para o Aeroclube e marcar um voozinho de instrução — aproveitando a brecha que São Pedro me concedeu com um dia lindo, de céu azul cristalino e vento ameno, o chamado ‘céu de brigadeiro’.

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