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Dever de coerência

Dora Kramer

Barroco na forma, o ministro Luiz Fux foi de clássica simplicidade no conteúdo de seu voto notadamente ao abordar a questão do ônus da prova.

Em resumo e com outras palavras, considerou que o peso pró-réu do princípio da presunção da inocência é inquestionável, porém, não absoluto. Implica a existência de um grau razoável de coerência nos argumentos expostos pela defesa.

Ou seja, não basta a defesa apresentar uma história qualquer, é preciso que seja bem contada.

“Toda vez que as dúvidas sobre as alegações da defesa e das provas favoráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das demais provas, pode haver condenação”, disse e arrematou: “A presunção da não culpabilidade não transforma o critério de dúvida razoável em certeza absoluta”.

É um ponto essencial na divergência entre os ministros que enquadraram o deputado João Paulo Cunha no crime de corrupção passiva e os que não viram nada demais no fato de a mulher dele ter recebido R$ 50 mil em espécie no Banco Rural por ordem de pagamento feita pela agência de Marcos Valério.

Os ministros Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli aceitaram passivamente a versão de que o dinheiro se destinava ao pagamento de pesquisas eleitorais realizadas dois anos antes e que o envio da mulher como portadora indicava boa-fé.

Já o relator e os ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia levaram em consideração a coerência do relato em relação ao contexto: a alegação inicial de que a mulher de João Paulo havia ido à agência do Rural para pagar uma conta de TV a cabo, a mudança de versão só depois de descobertos documentos obtidos mediante operações de apreensão e o suspeito “passeio” do dinheiro pelo valerioduto.

Todos os seis ministros que votaram até agora demonstraram intolerância com a ausência de pé e a privação de cabeça na fantástica história do envelope que Henrique Pizzolato recebeu com R$ 326 mil alegando desconhecer o que continha, de quem vinha e qual serventia teria.

Nesse episódio, todos aplicaram o raciocínio desenvolvido por Luiz Fux sobre a necessária verossimilhança de versões contra as quais “a simples negativa genérica não é capaz de desconstruir o itinerário lógico que leva à condenação”.

Caso a maioria adote esse caminho, o cenário não se avizinha risonho para José Dirceu.

Além de tentar convencer o Supremo Tribunal Federal de que sua ex-mulher encontrou emprego, empréstimos e um comprador para seu apartamento por intermédio do esquema de Marcos Valério por mera coincidência, ainda precisará que os juízes considerem verossímil a hipótese de ter saído da presidência do PT para a Casa Civil para nunca mais tomar conhecimento do que se passava no partido.

Beba na fonte: Dever de coerência – politica – versaoimpressa – Estadão.

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