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De um não-ninja para a Mídia Ninja: Viva a Mídia Ninja!

trashtvTenho cinco filhos. A mais velha, Bruna, com 24 anos de idade; o mais novo, Rodrigo, com 10. Sabem quantos deles assistem à TV aberta — onde aliás ganho honestamente o sustento deles todos (e o meu também) há 32 anos ? Só uma, a Vivi, que assiste ao Pânico na Band todo domingo. E mais nada.

Observo-os atentamente quando estão comigo nas férias escolares. Tenho a impressão de que nutrem pelo televisor o mesmo apreço que tenho pelo mimeógrafo e pelo telex, equipamentos que eram o Supra-Sumo da tecnologia quando o Supra-Sumo era o Supra-Sumo e eu, um repórter iniciante na carreira.

Os outros três moleques — Isabela, João Gabriel e Rodrigo —  não dão a menor bola para esse eletrodoméstico quase inútil que temos aqui na sala. Usam-no como monitor do video-game ou para assistir aos últimos episódios de Naruto, anime japonês que pode ser visto de graça no Youtube e em alguns sites piratas muito antes chegar ao Brasil. Dublado ou legendado.

Preciso confessar que a apatia deles em relação à TV me incomoda muito. São meus filhos, mas não são o meu público.

Querem ver um bom filme ? A locadora do quarteirão fechou as portas no ano passado. Mas temos o Netflix e a Apple TV, que resolvem bem o problema. A locação é barata e o cardápio de ofertas, enorme.

Querem morrer de rir ? É de graça no Youtube, onde você pode sempre descolar um episódio novo do Porta dos Fundos.

E quando querem saber alguma coisa do mundo — por exemplo, da política, que agora anda na moda entre os adolescentes ? Entram no Google, botam lá três palavras-chaves e pronto, o video com a informação aparece na frente deles. Nem é preciso esperar meu amigo William Bonner terminar o bloco de esportes ou o Datena encerrar o programa policial que antecede o Jornal da Band. Eles não perdem tempo com o que não querem ver.

Foi assim, pela internet, na Mídia Ninja, que meus filhos descobriram que o pai havia sido cercado por um bando raivoso de Black Blocs na Avenida Paulista semana passada justamente porque representa essa velha mídia. Ficaram consternados. E me deixaram com a sensação de que sou um operador de mimeógrafo, um ‘pestapista’, telegrafista, sei lá, o dono da locadora do quarteirão, qualquer coisa dessas que têm cheiro de mofo, que parecem ancestralmente velhas para o nosso atual padrão tecnológico.

Dominique Wolton, um antropólogo francês que foi protagonista da transição de eras (do modelo estatal para o privado) da televisão francesa foi superado. “O público é tributário da oferta”, ensinava ele na aurora da Sociedade da Informação.

Não é mais.

Agora, o programador é refém da vontade do público. Até para a escolha dos conteúdos de um telejornal consultam-se os oráculos caquéticos do IBOPE e os autodidatas de sempre com suas velhas ideias infalíveis–  aqueles que têm na ponta da língua uma receita que invariavelmente não funciona  para convencer o público a não zapear, desligar a TV ou ir para a internet.

E por que isso está acontecendo ? Aliás , o que está acontecendo ?

‘Especialistas’ no modelo de comunicação social que está se extinguindo (e está mesmo!) relutam em aceitar o óbvio: veículos de massa como os que tivemos até agora não têm mais espaço na modernidade tardia. São caros, enormes e incapazes de vencer a inércia. Eles representam uma espécie de fordismo comunicacional que pretendia fazer com que todos se contentassem com a mesma mensagem. Afinal, era o que havia para o momento.

Mas agora é outro momento e temos outras coisas.

É nesse contexto que surge a Mídia Ninja. A TV da internet que não tem uma bela imagem, mas  tem a informação que realmente interessa. Sem edição, sem outro filtro que não o do ‘locus’ da notícia, que também é um filtro. Os quadros vão de arranque em arranque, mas a informação está lá, no meio da multidão, entre pedras e balas de borracha, com cheiro de gás lacrimogêneo. O audio não é Dolby 5.1, mas pode-se bem ouvir os gritos, as palavras de ordem, os estampidos das armas e a indignação dos feridos.

É a informação perfeita ? Não! Ela mostra apenas um dos lados. É abertamente engajada. Mas é o lado dos que nunca tiveram voz nos veículos convencionais. E isso nós temos que admitir se não quisermos levar a pecha de pusilânimes reacionários. Ou de arcaicos Don Quixotes lutando contra os moinhos do tempo.

Lembro-me do Fora Collor. Houve manipulação, sim. Desde o ‘Entra Collor’, aliás, representado pelo engajamento descarado da imprensa na eleição do Caçador de Marajás. Mostramos o outro lado ? Também não! Enfaticamente, não!

O Lula, a quem eu tanto critico por seu personalismo e falta de compostura, foi deliberadamente prejudicado pela ‘mídia’ com a edição safada de um debate que ele realmente perdeu, mas nem tanto quanto se pretendeu fazer parecer.  Não há mais nenhuma dúvida sobre isso. A mesma manipulação houve também nas Diretas-Já, nas greves nunca noticiadas que pariram o PT na década de 80. E em muitos outros episódios caros à história do Brasil.

Eu estava lá, eu vi!

Isso tudo só foi possível porque não havia uma relação dialógica entre o público e a mídia. O que aconteceu 30 anos atrás foi motivado por algo está inscrito no campo da ética. Não havia ainda uma alternativa ao espectro eletromagnético para fazer o sinal sair do controle master das emissoras e chegar aos televisores das famílias. As TVs tinham um poder de vida e morte sobre a as construções simbólicas. E com ele iam construindo a mensagem, a política, a ideologia dominante.

Acabou-se!

Ao tempo do Fora Collor e dos Caras-Pintadas já havia o video-cassete e a câmera amadora. Mas se um manifestante filmasse um policial espancando alguém por puro sadismo, as imagens só chegariam ao conhecimento do telespectador se isso não contrariasse a linha editorial dos patrões. Como se fosse lícito e legítimo suprimir fatos para impedir que as pessoas formassem sua própria opinião em oposição ao pensamento hegemômico, a partir da maneira de ver o mundo e das conveniências de alguns empresários . O único caminho para tornar algo massivamente público passava pela vontade dos concessionários, dos donos de jornais e das revistas. Eles controlavam a opinião pública.

Não controlam mais!

Surgiu o fato novo. A internet trouxe a Mídia Ninja. E a Mídia Ninja, assim como seu congêneres, democratizou a comunicação. Tornou-a efetivamente dialógica. Tirou a pauta das mãos dos pauteiros e colocou-a nas mãos dos protagonistas dos fatos. A indústria de salsichas que produz notícias em série agora tem que temperar seus embutidos midiáticos de acordo com o gosto do freguês.

E, se você quer saber, pouco importa essa polêmica interminável em torno das suspeitas de atrelamento dos ninjas ao PT. O tempo vai elucidar tudo isso. Se forem realmente democráticos, se passarem incólumes pela provação ética, esses garotos vão mudar o paradigma comunicacional. Eles cumprem um papel muito importante: o de oferecer uma alternativa que vai democratizando a mensagem em outros meios.

Por isso, viva a Mídia Ninja!

Ela tem o desafio de provar agora que é diferente de tudo o que está sendo contestado — eu diria até mesmo expurgado — porque já não serve mais.

Se forem apenas mais do mesmo, se forem apenas uma nova empreitada para dar vantagem a um grupo ideológico ou partidário, se esta for uma iniciativa revestida do mesmo espírito da ‘velha mídia’ e da farsa da tal ‘imprensa progressista’, seus repórteres logo vão acabar sendo chutados das ruas.

Como eu mesmo fui outro dia.

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