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Os rastros do ódio

Por Carlos Brickmann, em 06/08/2013, na edição 758 do Observatório da Imprensa

A ditadura militar não gostava de jornalistas, exceto dos amestrados; mas a oposição democrática nos apreciava. Sarney e Collor adoraram jornalistas, depois odiaram jornalistas, mas seus adversários gostavam de nós. A polícia jamais gostou de jornalistas – abrindo exceção apenas para um pequeno grupo mais acessível. O Ministério Público adora jornalistas, especialmente os que aceitam matérias prontas; e detesta jornalistas quando mostraram, por exemplo, que determinado procurador simplesmente copiava e colava textos escritos no escritório de advocacia de uma das partes do processo. O PSDB e o PT amam jornalistas a favor; odeiam os demais. O PT é mais flexível: aceita conversões e recebe os convertidos como filhos pródigos, servindo-lhes aquilo que há de melhor na mesa. Tanto o PT quanto o PSDB adoram jornalistas que criticam seus adversários.

Em resumo, caro colega, sempre houve gente favorável e contrária a nós, jornalistas. Mas agora estamos assistindo a um fenômeno intrigante: nessas manifestações, os jornalistas estão sendo sempre tratados como inimigos. Manifestantes queimam carros de reportagem, ameaçam agredir quem faz a cobertura das passeatas (e os jornalistas não têm quem os defenda, já que a polícia também apreciaria ver-nos numa travessa de prata, com uma maçã na boca). Dois profissionais de excelente reputação, Caco Barcellos e Fábio Pannunzio, já tiveram problemas com as multidões e por pouco não se transformaram em vítimas. A tropa de choque da polícia não hesitou em atirar seus sprays e balas de borracha em jornalistas, em alguns casos, foi muito claro, deliberadamente. Uma jornalista foi atingida por bala de borracha perto do olho, outro jornalista ainda não sabe se vai conseguir recuperar a visão prejudicada.

O mais interessante é que, tirando o pessoal que é criminoso mesmo e não quer que sua ação nas passeatas seja registrada, os manifestantes deveriam estar ao lado dos jornalistas, não contra. Os jornalistas colocam suas reivindicações nos meios de comunicação, amplificam os protestos. Mas, mesmo assim, são obrigados a disfarçar-se para fazer a cobertura, como se fossem jornalistas-ninjas, com o link escondido na mochila e usando celulares para captar imagens (forçosamente de qualidade inferior à de um equipamento apropriado), ou se limitam a descrever os acontecimentos tal como registrados pelos helicópteros da equipe.

Protesto contra a emissora? Besteira: os ameaçados e agredidos são profissionais que hoje trabalham num lugar, amanhã podem estar em outro. A violência atinge pessoas, não empresas de comunicação. E o slogan “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” é, antes de tudo, uma bobagem: quem é que dá à Globo, há tantos anos, a liderança absoluta de audiência na televisão?

Há uma longa discussão sobre os novos limites do jornalismo, nessa era de celulares que gravam som e imagem. A discussão certamente não é esta: os repórteres-ninja, que se tornaram populares nestas manifestações, exercem funções jornalísticas. Tudo bem: e quem os paga? Se o jornalista é amador, trabalha de graça, como poderá dedicar-se à profissão? Como fará para aperfeiçoar-se, aprender mais, tentar entender o que está ocorrendo?

É uma situação complicadíssima. Ninguém gosta de nós, mas o pior é que, ao mesmo tempo, quem não gosta de nossa profissão quer atuar no lugar dos repórteres, sem salário, sem vínculo empregatício. É jornalismo sem patrão; e sem pagamento, sem estrutura que possa mandar um repórter para uma cidade vizinha, que garanta o fluxo de informação mesmo nos dias em que o repórter amador decide que é melhor namorar, viajar ou jantar fora. Pior: sem qualquer tipo de visão isenta. O pessoal ninja documentou muito bem as passeatas, mas que ninguém peça a eles um esforço para ao menos entender o outro lado.

A situação deve melhorar com o fim das manifestações, algum dia. Mas nunca mais voltará a ser o que era.

 

Muita tristeza, uma boa notícia

As más notícias transbordam: a Editora Abril fecha várias revistas, funde dois sites, demite 150 funcionários (e talvez, não há confirmação, os cortes não parem por aí). A Rede Record demitiu muita gente, a Rede TV! já fez demissões, o Estadão e a Folha demitiram pesadamente. O jornalismo oferecido ao público perde em qualidade, as informações não são verificadas com a mesma minúcia, as reportagens de fôlego não são feitas por falta de tempo e de equipe. Perdem todos – inclusive os departamentos comerciais, porque quando há falta de consumidores para quem é que vão anunciar?

No meio de tanta má notícia, uma informação animadora: o excelente Mauro Beting, que havia sido afastado da Rádio Bandeirantes de São Paulo “porque as contas não fechavam”, foi readmitido. A emissora avaliou melhor os fatos, muitos ouvintes se manifestaram, todos em favor de Mauro, dois pesos-pesados da equipe da rádio, Milton Neves e Neto, se movimentaram para mantê-lo. Neto foi fundo: num programa, pediu demissão, para que “as contas fechassem” e fosse possível buscar Mauro Beting de volta. A direção da emissora tomou a decisão mais sensata: segurar Mauro Beting e manter a equipe toda, sem demissões ao menos nessa área.

E por que foi uma decisão sensata? Este colunista conhece Mauro Beting, trabalhou com ele, conhece seu incrível potencial – embora ele seja torcedor do time errado, fruto da educação futebolística equivocada inerente a toda a sua família. É simpático, estabelece boas relações com os consumidores de informação, tem grande capacidade de trabalho, não enjeita serviço. Faria falta à Bandeirantes. E sua falta seria ainda mais sentida se fosse trabalhar numa emissora concorrente, que ganharia melhores condições de disputar o mercado.

Seria interessante se outros profissionais, afastados na mesma operação que atingiu Mauro Beting e que têm capacidade e currículo, como Walker Blas e Adriana Cury, fossem logo chamados de volta. Uma emissora voltada ao jornalismo não é uma fábrica de parafusos, em que os profissionais entram e saem sem que os consumidores se preocupem com isso. Um jornal, uma rádio, uma TV, blogs, portais, têm personalidade própria; têm alma, e a perda de determinados profissionais queridos do público diminui a intensidade da empatia entre consumidores e produtores de informação.

Em tempos outros, havia editoriais do Estadão com frases como “estávamos em nossa fazenda, em Louveira (…)”. Editorial é a voz do jornal; como é que o jornal, uma empresa, estaria numa fazenda passando o fim de semana? Pois o leitor do Estadão sabia que aquele editorial era do dr. Julinho, Júlio de Mesquita Filho, que nem precisava assinar o que escrevia, já que seus leitores sabiam desde as primeiras linhas quem era o autor. É o tipo de relacionamento que anda fazendo falta, o tipo de relacionamento entre produtores e consumidores de informação que ultrapassa a esfera comercial.

Enfim, lamentemos as más notícias e esperemos que, como no caso de Mauro Beting, as empresas de comunicação não sejam encaradas pelos acionistas como entidades apenas comerciais, comandadas apenas pela contabilidade do trimestre.

Leia a íntegra no Observatório da Imprensa.

 

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