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Quincas Borba, meu cachorro

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Eu e o meu amigo Quincas Borba na pracinha do Real Parque

Tenho um cachorro chamado Quincas Borba. Ninguém sabe a idade dele. Dois veterinários divergiram de maneira tão cabal sobre esse assunto que deixei minha curiosidade para lá. Um disse que ele tem um ano e meio. Outro, que está para lá dois seis anos.

É um adorável vira-lata. Passou a infância, a adolescência e sabe-se lá mais o quê andando pelas vielas do Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo.

Quincas foi resgatado da miséria por uma ONG chamada Cão Sem Dono. Encontrei-o engaiolado (e muito triste) num petshop perto de casa. Foi amor à primeira vista. Ele tinha olhos grandes, profundos. Animados por movimentos lentos. Não fosse tautológico, diria que ele tem “olhos de ressaca”,  assim como Machado descreveu o olhar de Capitu.

Os antecedentes genéticos do Quincas são uma incógnita. A pelagem branco e preto denuncia algum tataravô Border Collie, o que explicaria sua fantástica inteligência. Foi a amálgama do nosso relacionamento de mais de um ano.

Quincas Borba não havia ‘pronunciado’ um único ganido sequer até outro dia. Achei inclusive que era mudo. Surdo não, nunca, dada sua incrível capacidade de entender tudo o que falo. Uma tarde foi até a varanda do apartamento onde moramos e latiu. Depois se calou novamente. Até hoje.

Seu mutismo, no entanto, não impediu a nossa interação. Ja falei que entender, ele entende tudo. Nunca houve uma ordem a que não atendesse prontamente. Aliás, houve uma: na fazenda de parentes, matava compulsivamente galinhas e pintinhos por puro deleite sádico. Matou 40 num fim-de-semana. Não adiantou ralhar, por de castigo, nada.

Quincas me ajudou muito num desses períodos de recuperação de casamentos que ficam para trás. Sem vontade de gastar com um terapeuta, escalei Quincas para me ouvir, e ouvir, e ouvir… Assim, ‘orientou’ inúmeras sessões de terapia. Revelou-se um digno cão freudiano, um psicanalista aprisionado num corpo canino.

Passamos a caminhar e a correr numa pracinha no Morumbi bem perto da minha casa. Todos os dias, religiosamente, íamos juntos buscar nossas endorfinas ao longo de seis quilômetros de caminhada. Eu na frente, ele seguindo meus passos de perto, sem coleira. Nunca fugiu, nunca perdeu o passo. Ganhou uma cinturinha marombada enquanto eu me livrava da barriga de chope.

Foi aí que ele me mostrou como o racismo está impregnado no mundo pet. Nessa pracinha, peruas com seus micropets cheios de lacinhos ficavam apavoradas quando meu Quincas se aproximava para filar uma cheirada em de algum cachorro. Elas puxavam forte a coleira, jogavam os micropets no colo e saiam apavoradas arfando. “Ai, um vira-lata se aproximou da minha cadelinha Maria Antonieta!…”

Mas Quincas não apenas venceu o preconceito, como ainda se tornou amigo de todas as madames e lulus do Morumbi.  Hoje ele caminha altivo entre umas e outros. Eventualmente ouve-se alguém gritando “Quincas!…”

Outro dia uma senhora interrompeu minha corrida para perguntar sobre o Quincas. Disse que antes tinha medo dele porque andava sem a coleira. Mas ficou encantada ao perceber que ele se dá bem com todos os cachorros do pedaço. E que resiste à tentação de  brincar com outros cães apenas para me acompanhar nos exercícios.

Expliquei a ela que somos bons amigos, chapas mesmo, e que sempre tivemos respeito mútuo e afeto recíproco.

Ela perguntou como era o nome completo do cão. Eu disse “Quincas Borba”.

Ela perguntou por quê.

Eu disse que era por causa do Machado.

Ela retrucou: “Whattttttttt ?”

“Nada. Deixa pra lá”, respondi, recomeçando corrida.

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