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Dilma, durona, pode enterrar o legado (a)moral de Lula

A assertividade da presidente Dilma Roussef e sua determinação são impressionantes. Discreta, durona como já se sabia, tem tido coragem suficiente para enfrentar as chagas legadas de seu criador. Nestes primeiros dias de governo deu um passa-moleque nas centrais sindicais de aluguel,  nos chantagistas do PMDB, trabalhou para tentar devolver alguma compostura à negociação política e decidiu atacar de vez o grande nó na economia representado pela perspectiva de volta de uma inflação vitaminada. Enfrenta, com determinação e galhardia, a “herança madita” deixada por Lula, que não mediu esforços nem complacência para amalgamar sua base no Congresso.

Para quem pensava que os estupros à moral e à compostura  iriam migrar do governo anterior para este, Dilma está dando uma lição: a de que o espaço que separa a ética da convicção da ética da responsabilidade, de acordo com as categorias weberianas,  não pode ser infinito. Sob Lula, a ética da convicção, galgada em valores, simplesmente não existiu; tampouco a da responsabilidade, uma vez que o sentido das ações dos protagonistas da cena política congressual passa longe do altruísmo, não visa “fazer o bem” ao maior número possível de cidadãos.

Haverá uma reação forte. O sentido de todas as ações de agremiações como esse PMDB é permitir a pilhagem do bem público e sua apropriação individual. Diferentemente do que acontecia no passado de FHC e Lula, a barganha descarada e o patrimonialismo desavergonhado ainda não tiveram vez sob Dilma.  Até agora — e isso pode mudar muito rapidamente –, a presidente parece ter se dedicado a ensinar à matilha ávida pelo reinício da pilhagem que certas práticas não serão mais toleradas.É uma perspectiva nova e alvissareira essa fuga do pragmatismo ilimitado, talvez o vício mais arraigado nas nossas tradições políticas desde o Descobrimento. Mas não será tranquila sua consolidação.

A primeira investida de inconformismo para restabelecer o passado se materializou nas tentativas dos líderes dos partidos aliados de tranformar o valor do novo salário mínimo em uma arma contra a estabilidade econômica. A ameaça contida nas manifestações de políticos do quilate de um Eduardo Cunha, um Henrique Alves, era clara: ou a presidente se dobra e entrega o filé mignon do segundo escalão à matilha, ou o tênue equilíbrio das contas públicas poderia ser conspurcado. Também não se fez segredo das articulações do PMDB para conturbar a eleição do novo presidente da Câmara. Os líderes que bradavam contra a proposta do governo para o salário-mínimo foram os mesmos que insuflaram a candidatura do inexpressivo Sandro Mabel, do PR, numa afronta cheia de sentido.

Agora veio a decisão de enfrentar a voracidade dos parlamentares fisiológicos e patrimonialistas com o corte das emendas dos congressistas. É com essa fração do orçamento que deputados e senadores amealham o dinheiro fácil dos empreiteiros desonestos. É com essa “verbinha” que se abrem as brechas do Caixa-Dois, composto por dinheiro desviado pela corrupção. É com o desvio desse dinheiro que se pagam compromissos de campanha. É assim que boa parte dos políticos desonestos enriquece.  Ao fazer a fonte de subornos secar para confrontar a perspectiva de volta da inflação, Dilma está enfiando a mão no fundo da toca da serpente venenosa.

Para quem achava que o mundo estava perdido, agora há uma fresta iluminada no fim desse tunel institucional. Antes, na história recente, os últimos presidentes que tiveram “arroubos” de correção moral perderam a oportunidade, por exemplo, de reformar a previdência (FHC) ou de manter fontes de financiamento importantes como a finada CPMF (Lula).

Resta torcer para que a presidente consiga a força moral necessária para conter o achaque dos líderes aliados e neutralizar suas chantagens. Se der certo, talvez tenhamos alguma razão no futuro para dizer aos nossos filhos que a política é uma arte nobre, digna e respeitável.

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