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Retratação a Heraldo Pereira foi conversa fiada

Texto de Pedro Caribé, publicado no site da AfroPress Agência de Comunicação Multiétnica

O pagamento da indenização e retratação de Paulo Henrique Amorim (PHA) ao jornalista Heraldo Pereira não foi suficiente para convencer o réu de ter praticado ato racista. Antes e depois de sentar no tribunal, PHA e seus pares tentaram desconstruir a todo custo a legitimidade da indignação de Heraldo.

Tentaram tergiversar o debate para arena ideológica, onde a Heraldo caberia o papel de reforçar o ar pejorativo de “ser negro de alma branca”, a serviço de idéias conservadoras, e os movimentos negros a possibilidade de serem coagidos ou cooptados no posicionamento.

Também tentaram criar interpretações dúbias, amenizar o ocorrido. Ao final, PHA desdenhou da Justiça, não publicou na data correta a retração e ainda fez comentários jocosos, numa demonstração que sua consciência continua indiferente a gravidade do que cometeu.

Felizmente a estratégia de PHA falhou, e acabou por reforçar como a situação se enquadra no complexo sistema de preconceito racial brasileiro.

A questão se inicia com uma interrogação: PHA proferiu um ato racista no seu blog Conversa Afiada e por isso foi julgado num tribunal? Sim. Não só por proferir o termo “negro de alma branca”, mas todo o contexto que trata Heraldo como submisso de Gilmar Mendes, profissional que ascendeu sem méritos e que faz “bicos” na Rede Globo.

PHA sintetizou elementos sofisticados do racismo nacional, contextualizou a cor da pele para depois se colocar em tom de superioridade.

Heraldo ganhou a causa, através da retratação pública e indenização de R$ 30 mil a ser paga por PHA e posteriormente doada a instituições de caridade. Costurar um “acordo” ou “conciliação” nesses casos é instrumento comum do Judiciário. Por um lado, mecanismo “autoincriminatório”, por outro, a não condenação, abre brecha para atenuar a acusação.

Aliás, quem é condenado explicitamente por racismo no Brasil? Advogados que lidam com a questão racial sabem que dificilmente o Judiciário brasileiro ia dar ganho de causa integral a Heraldo, e o que foi obtido não pode ser minimizado.

Para tentar desfocar o tema da pauta racial, PHA e alguns dos seus pares, passaram a cobrar os serviços prestados aos Governos Lula e Dilma. Tentaram transformar PHA num bastião de projeto transformador, mas esqueceram que ele sustenta a ala dos apoiadores fisiológicos. Aqueles que ao apoiarem projetos construídos inicialmente pela esquerda, costumam carregar um pacote pesado demais de contrapartidas.

Atualmente PHA não é mero empregado da Rede Record, é formulador do discurso editorial, apresentador dominical e tem programa semanal de entrevistas. A Record por sua vez não tem nenhuma autoridade ética no quesito étnico-racial, ao ser comparada com a Globo, empresa que trabalha Heraldo Pereira.

É de conhecimento de todos que a Record é de propriedade de Edir Macedo, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e responsável por reciclar o racismo brasileiro, em especial ao buscar destruir um ponto sagrado: as religiões afro brasileiras. Entre o racismo da Globo – explicitado nas idéias de Ali Kamel – e o da Record, sinceramente, não é para se ter cumplicidade com nenhum dos lados.

O fato da Record ser eixo de sustentação dos governos mais à esquerda no país não a torna isenta, muito menos a emissora é o caminho que defendo para democratizar o setor comunicacional.

Globo e Record não são cúmplices apenas no quesito preconceito étnico-racial, ambas são integrantes da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e TV (Abert). Essa Associação se retirou e condenou a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e o Conselho Estadual de Comunicação da Bahia. A Abert atua para impedir reformas democratizantes nas comunicações do país em pontos cruciais como conteúdo (continuar a praticar o proselitismo religioso na programação), e propriedade (“laranjas” e parlamentares concessionários).

Mesmo que a Record não estivesse no contexto, PHA também não estaria imune. Defender muitas idéias de esquerda ou progressistas não é sinônimo de compreensão da questão racial. A esquerda em geral não é imune quanto o tema é étnico-racial.

O cubano radicado no Brasil, Carlos Moore, sistematizou como poucos as teses racistas na origem do marxismo, bem como o tratamento pejorativo que a pauta racial teve e tem na Revolução que ajudou a construir no seu país. Ainda assim, a partir do século XXI a esquerda se tornou o melhor caminho para avançar a pauta no Brasil, mas não é o único.

Aos que querem realmente ver a questão étnico-racial com pauta prioritária nos espaços de poder, é o momento de aplicar a realpolitik. Dialogar e compreender os meandros da política brasileira. Entender que muitos não se sentem acolhidos nas citações, entre vírgulas, dos discursos de plenária, construir maiorias, ir além das caixas que são reservadas, desde que
mantenha a integridade dos seus propósitos, algo que nem sempre a esquerda consegue.

Neste embate, Heraldo conseguiu aplicar a realpolitik, abriu brechas em pólos tidos como antagônicos, porém cúmplices quando o assunto é racismo. Pereira foi o primeiro negro a apresentar o principal telejornal do país, o Jornal Nacional. Conseguiu superar a barreira da invisibilidade e o estigma de incompetência dado aos negros e negras.

Pereira é um trabalhador, empregado, não se tem conhecimento do seu pertencimento ao núcleo conservador da Globo. Além de sentir na pele, não é nenhum alienado no debate racial, conforme sugere Paulo Henrique. Sua trajetória é motivo de orgulho à população brasileira, mais ainda aos negros e negras.

Heraldo também se libertou das correntes ideológicas da empresa onde trabalha. Por vezes o caso se desviou para um falso embate entre Globo x Record, forçando o conglomerado da família Marinho fortalecer direta e indiretamente argumentos contrários ao que prega Ali Kamel. Em partes, Heraldo venceu Ali Kamel, dentro de um contexto que é trabalhar nas organizações Globo.
Quanto a Paulo Henrique Amorim, trabalhou na Veja, Globo e agora para Record, e continua a contribuir com um dos temas mais caros ao poder conservador no Brasil: o racismo.

Pedro Caribé é jornalista, associado do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, titular do Conselho Estadual de Comunicação da Bahia.

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