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Bajulação, ausência de crítica, subserviência e propaganda da ditadura. Era assim a Veja de Mino Carta e PHA em 1970

1º de julho de 1970. Naquele dia, quando chegou às bancas a edição de número 95 da Revista Veja, o País ainda purgava o delírio coletivo produzido pela conquista da Taça Jules Rimet na Copa do México. Em 12 página recheadas de fotos ufanistas, Veja pintou um quadro magnífico da situação política do País, enalteceu o patriotismo do presidente de então, o General Emílio Garrastazu Médici, e teceu loas à propaganda oficial.

Nas três reportagens publicadas sobre o assunto,  nenhuma menção à tortura, às prisões arbitrárias e aos desaparecimentos. O objetivo implícito do material editado não poderia ser outro que não o de promover a ditadura, o ditador e seus ditames.

A primeira das três retrancas tinha como título “A Imagem do Sucesso”, manchete da reportagem principal. Ela dava conta da generosidade do general que, contraiando conselhos de seus assessores, decidiu abrir o Palácio do Planalto aos torcedores em vez de receber os jogadores no Alvorada.

No texto há elogios em profusão. E também demonstrações ostensivas de subordinação e submissão ao regime. Começa descrevendo a “solenidade” da chegada de Médici ao Planalto na terça-feira anterior. “70.000 pessoas estavam concentradas desde cedo” quando o general chegou “erguendo os braços num gesto largo e instintivo para agradecer os aplausos que vinham da multidão”. “Quando o General Médici entrou, foi recebido por outra salva de palmas. ‘Ele estava alegre e descontraído’, comentou um ministro”, prossegue a reportagem, para concluir que “surgia naquele momento uma evidente demonstração de simpatia popular ao governo”. Puxa-saquismo explícito.

Para a Veja de Mino Carta, a concessão feita por Emílio Médici ao abrir o Palácio para o povão era produto de vários fatores. Principalmente de sua identificação como torcedor sincero, mas também por atitudes  como as que ele protagonizara em face do problema da seca do Nordeste, que o ditador fora conhecer pessoalmente na semana anterior, oportunidade em que teria atuado “com a sensibilidade de um político interessado na conquista da opinião pública”. A isso, Mino Carta e seus editores chamaram de “feliz associação”.

A propaganda da ditadura foi qualificada como um “trabalho cuidadoso e aparentemente econômico” para a construção de uma imagem positiva. Não mereceu nenhuma ressalva o fato de que os filmetes produzidos para o cinema e a televisão tinham como alvo as crianças em idade escolar.

Veja engoliu do Coronel Otávio Costa, que chefiava a Assessoria de Relações Públicas da Presidência, a afirmação de que as peças não poderiam ser encaradas como propaganda convencional, e sim como “uma tentativa de de criação de um clima de otimismo, (…) colaborando com a educação moral e cívica do povo e sobretudo dos jovens”.

A terceira reportagem aparece sob o título “A Maioria Silenciosa”. Ela tenta explicar o surgimento daquele que se transformaria no mais cruento bordão produzido pela ditadura militar: “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”. A edição 95 dedica uma página inteira à gênese da campanha odiosa. Atribui a origem do slogan a uma iniciativa análoga do Governo Nixon para enfrentar o movimento pacifista que se opunha à Guerra do Vietnã. O dístico “passou a ser visto com frequência em para-choques e para-brisas de carros e ônibus” dirigidos pelos operariado urbano e pela classe média, cansados “das agitações estudantis, das rebeliões dos negros e das críticas à posição do governo em relação à guerra”.

Reproduzo, abaixo, a íntegra das reportagens. Sua releitura atenta pode não ajudar a enterder o que de fato se passava no Brasil de 1970 pelo simples fato de que a revista havia adotado um lado — o lado da farda. Mas constitui uma ferramenta fundamental para explicar como jornalistas engajados trabalharam como peças auxiliares para a conformação da imagem positiva do governo na pior fase da longa ditadura brasileira, transformando-se em áulicos do regime de exceção.

As responsabilidades pelas posições equivocadas, pelas posições evidentemente engajadas, neste caso não podem ser reputadas nem à censura oficial, nem à censura patronal. Recorro à afirmação que encontrei hoje no site de Paulo Henrique Amorim para embasar essa afirmação. Segundo ele, “Como é conhecimento do mundo mineral, quem fez a Veja, quando podia ser lida, foi o Mino Carta. O Robert(o) [Civita, dono da Editora Abril] lia a Veja na segunda feira, depois de impressa, porque o Mino não deixava ele dar palpite ANTES de a revista rodar”.

O mais incrível é que esses mesmos áulicos se arvoram em defensores de governos contra uma paranoica conspiração da imprensa indepentente, por eles batizada de PIG — Partido da Imprensa Golpista.

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