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Por que o Senado de Demóstenes se transformou no avesso do Senado do Mensalão.

2006 foi um ano dolorido para o Legislativo brasileiro. Com a eclosão dos escândalos do Mensalão e dos Sanguessugas, a Câmara Federal chegou a ter 20% de seus parlamentares envolvidos em denúncias de corrupção. A atuação dos meliantes com mandato colocava em cheque a legitimidade do Congresso Nacional, transformado em catapulta para o achaque disfarçado sob o rótulo do fisiologismo, que no Brasil justifica quase tudo.

O Senado, no entanto, formava um contraponto institucional aparentemente redentor aos desvios dos deputados. A Câmara Alta, que onde tempos em tempos tinha sua própria existência questionada, acabava se justificando perante a opinião pública pelo papel correicional que teve a coragem de assumir.

Era uma outra época. Da tribuna, homens dignos como Jefferson Perez, o saudoso senador pedetista, pontificavam com autoridade moral contra a bandalheira e a corrupção generalizada que prosperavam na política a partir do gene das relações de conveniência inoculado pelo governo Lula.

Para os jornalistas que cobriam o Congresso, os senadores eram fontes a serem necessariamente compulsadas para demonstrar ao País que as instituições, a despeito do amortecimento das consciências no varejo da baixa política, eram ainda capazes de corrigir seus próprios vícios.

Vozes tonitruantes bradavam discursos éticos que, em um determinado momento, pareciam ter acuado definitivamente a elite corrupta que se acercara do Poder. Podia-se ouvi-las vindo  de quase todos os grotões partidários. Entre elas estavam as de Cristovam Buarque, Heloísa Helena e Eduardo Suplicy (PT);  César Borges e Demóstenes Torres (PFL);  Arthur Virgílio, Alvaro Dias , Sérgio Guerra e Tasso Jereissati (PSDB); e Pedro Simon (PMDB) .

Nos seis anos que se seguiram, a morte silenciou o amazonense Jefferson Peres, os eleitores calaram Arthur Virgílio e Tasso. Uma opção malsucedida afastou Heloísa Helena do parlamento. César Borges mudou partido e serenou sua verve oposicionista. Suplicy foi suplantado por suas próprias esquisitices. Para sobreviver politicamente, Sérgio Guerra teve que se abrigar em um mandato de deputado federal e trocou de tribuna. Pedro Simon parece ter perdido a motivação — ele já anunciava há três anos que deixaria a vida pública por estar decepcionado, com seu ânimo esmorecido pela degradação do ambiente político. Com relação a Demóstenes Torres, deu-se o que agora se sabe: era um farsante travestido de moralista para ocultar seus próprios vícios.

Poucas, pouquíssimas vozes restaram para sustentar o discurso do soerguimento da moralidade na gestão da coisa pública. E tão fracas que mal podem ser percebidas como sussurros misturados ao ruído ensurdecedor gerado pelas crises que o Senado atravessa. Entre elas ainda se consegue ouvir um ou outro gemido de Alvaro Dias, Jarbas Vasconcelos, Cristovam e do novato Pedro Taques.

O Senado, Instituição que deveria se nutrir da experiência de políticos já testados, está perdido e sem rumo. Ou melhor: acolhe como rumo, ao que indica a tibieza com que enfrenta suas próprias mazelas, o silêncio. Até agora, nada indica que a conformação do gigantesco esquema de corrupção tramado pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira vá merecer uma investigação parlamentar da Câmara Alta. E não é por acaso.

A força avassaladora do governo, e sua frouxidão moral, transformaram a luta pela ética na política em uma guerrilha quixotesca movida individualmente por alguns poucos parlamentares. Os que resistem na trincheira são sufocados por seus partidos — estes sim, quase integralmente comprometidos no escopo amplo de legendas abrigadas sob o caixa da contravenção.

Este é o resultado de uma mudança conceitual claramente alimentada pela lassidão moral dos anos de Lula. O ex-presidente atuou deliberadamente para desenhar um complô da imprensa contra o País representado por ele, abençoou as manobras salvacionistas do Sarney dos Atos Secretos e do Renan Calheiros das pensões suspeitas. O Senado de Demóstenes, quase a antítese perfeita do Senado do Mensalão, é produto de uma obra de engenharia cuidadosamente urdida para desacreditar a política. E não é um projeto isolado.

Logo que chegaram ao Palácio do Planalto, os artífices da primeira administração petista botaram em funcionamento uma engrenagem que iria, em quase todas as suas ações, desacreditar a institucionalidade. A estratégia consistia em desconhecer os canais tradicionais de negociação com o Parlamento, mas não apenas isso.

Em vez de conversar com os líderes dos partidos, José Dirceu preferiu comprar votos no varejão das almas congressuais. O sindicalismo brasileiro, que outrora funcionava como uma espécie de alter-ego da sociedade, se rendeu ao dinheiro fácil que escorria dos cofres públicos e reabilitou o peleguismo da Era Vargas. O movimento social, que na entrada da pós-modernidade era saudado como a alternativa ao Estado moderno, acabou se transformando em sinecura da ladroagem.

A imprensa foi demonizada. Em contraposição a ela, criou-se uma falsa “nova mídia”, composta por jornalistas decadentes e publicitários salafrários arregimentados entre a mão-de-obra que se oferecia para locação. Criou-se uma malha de blogues para  assassinar a notícia e os critérios de noticiabilidade. Ao pior estilo goebbeliano,  essa rede passou a transformar mentiras inteiras em meias-verdades palatáveis. Não precisamos chegar ao desplante criminoso de uma Marcos Valério para relembrar como a estratégia foi tramada. Basta puxar pela memória o papel abjeto a que se dispôs a PETROBRAS, que criou um blog para afrontar a cobertura da CPI instalada para investigá-la.

Os novos tempos inaugurados por Lula deixaram cicatrizes indeléveis na institucionalidade e na moralidade. Tiveram o condão de reabilitar condenados (lembre-se da ressurreição de Arruda e Palocci, que afundaram de novo no inferno de suas vidas paralelas) e criar a condição necessária para a que os ratos tomassem conta do navio da República. Aí estão novamente Sarney, Renan, Jim Argello mandando desabusadamente no País, disputando posições nobres e verdadeirmente dirigindo o destino de todos nós.

É apenas nesse contexto que a farsa encarnada pelo personagem parlamentar criado por Demóstenes Torres faz sentido neste momento da história. Demóstenes é um produto perfeito da hipocrisia que domina a política brasileira nos primeiros anos do Século XXI. E o Senado da República, refém da moralidade de bordel que anima o Poder Legislativo, não consegue esboçar uma reação para redimir a política.

Nada disso aconteceu por acaso. Os que planejaram a decadência das Instituições comemoram abertamente. Mas só vão se sentir satisfeitos de verdade quando conseguirem comprovar que estão a salvo também da ação saneadora do Poder Judiciário. Não está longe de acontecer.

Basta que o Supremo Tribunal Federal deixe o Mensalão prescrever.

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