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Um País para Manuela

Minha netinha Manuela nasceu anteontem, no mesmo dia em que a CPI do Cachoeira foi instalada. Tenho o pressentimento de que o futuro que ela encontrará quando tiver conquistado sua plena cidadania guarda uma estreita relação com os fatos que o Congresso vai apurar — ou não — no processo que se inicia agora.

Estou consciente de  que essa expectativa  não encontra amparo nem na minha experiência pessoal e pode parecer pueril. Pode-se considerar que ela seja fruto de um desmesurado otimismo em relação às Instituições brasileiras. Senti a mesma coisa anos atrás, no começo da década de 90, quando Bruna, a mãe da Manuela, era uma recém-nascida. E eu estava enganado, muito enganado.

Bruna nasceu junto com Constituição de 88. Ela materializava a esperança na reinstitucionalização do País. Criou ferramentas que permitiram aos brasileiros da idade da minha filha mais velha viverem desde então em uma democracia madura, a despeito de ser tão jovem quanto ela própria.

A primeira infância da Bruna correu paralela à agonia do governo Collor, que o Congresso Nacional teve a coragem de depor quando ela completou quatro anos de idade. Collor foi cassado por corrupção. Foi expulso do Palácio do Planalto por adolescentes com a cara pintada, metade de preto, metade com as cores da bandeira. Naquela época, eu queria que minha filha tivesse idade suficiente para também pintar o rosto e ir para a rua gritar que aquilo era inaceitável. Cheguei a levá-la no ombro a duas manifestações.

Mas os anos foram passando. Enquanto Bruna crescia, a reorganização dos agentes da corrupção que se acercaram do Estado acabou transformando Collor num emblema representativo da média dos políticos brasileiros — nem pior, nem melhor. PC Farias, à luz da quadrilha governamental que articulou o Mensalão e da organização criminosa de Carlinhos Cachoeira, parece hoje um punguista de quinta categoria. Collor está de volta, depois de cumprir seu degredo, agora no papel de guaridão altivo dos segredos que ele e sua turma querem manter longe dos olhos da opinião pública — daí sua acintosa presença no banco dos juízes que vão presidir a investigação parlamentar.

Muitos escândalos se sucederam enquanto Bruna crescia e caminhava rumo à gestação que nos deu agora Manuela. CPI do Orçamento, Três Porquinhos, emenda da Reeleição, as denúncias da privatização, Mensalão, Saguessugas, Carlinhos Cachoeira … A ninguém minimamente informado é permitida outra constatação a não ser a de que a qualidade da representação política — e suas imbricações com o crime organizado — só fez se agravar nos últimos 23 anos.

Tanto Lula quanto Fernando Henrique, diretamente ou por intermédio de seus áulicos, defenderam a tese de que não foi o País que piorou, foram as instituições que se fortaleceram a passaram a deslindar as engendrações criminosas dos que foram eleitos para exterminá-las. A afirmação não encontra amparo na realidade fática nem no discurso justificador dos governantes que poderiam, se quisessem, ter mudado definitivamente essa história.

O hiato de tempo que transcorreu do nascimento de Bruna ao nascimento de Manuela equivale, em número de anos, ao tempo que foi necessário para que a Coréia do Sul deixasse de ser um devastado produtor de cabelo para perucas para se transformar numa potência emergente; que a Nova Zelândia  fosse catapultada do vale  ao topo do ranking que lista os países menos corruptos do planeta; que a Costa Rica  levou para deixar ser um porto seguro para gangsters de todo o mundo.

Exemplos como esses três servem para ilustrar bem o que teria acontecido ao Brasil caso o Estado tivesse assumido um papel honesto na confrontação da corrupção e no saneamento das Instituições ao longo das últimas duas décadas. E são suficientes para acabar com a falácia de que mais escândalos são produto de mais apuração, mais justiça, quando na verdade a contumácia dos esquemas e sua perpetuidade apenas servem para denunciar a extensão do problema, que fez se agravar.

O Brasil da minha filha transformou a corrupção em meio de sobrevivência dos partidos e dos políticos. Generalizou a bandalheira para demonstrar que todos se equivalem na lama. Transformou a virtude em tolice e a esperteza indecente em vantagem. Alinhou biografias ilustres à folha corrida de bandidos notórios. Aliciou líderes carismáticos e os colocou a serviço dos milicianos antidemocráticos que tentam mudar a História para provar que o que existe nunca existiu. Anulou provas, invalidou processos que poderiam ter colocado um freio no processo de apropriação patrimonialista. E jamais condenou à a cadeia um político sequer acusado de corrupção.

É este o legado da minha geração para a geração da minha neta. Uma matéria-prima de péssima qualidade, um País corrompido até a medula. Apesar do advento de instrumentos como a Lei da Ficha Limpa e a Lei de Acesso à Informação, que logo estará em vigor. Mas estes, lamentavelmente, ainda não produziram resultados que os justificassem.

É nesse sentido que, a despeito de toda a expectativa que se arma, alimento a esperança de que o processo de mudança de paradigma moral deslanche a partir da CPI do Cachoeira. Em termos de importância história, ela se iguala à CPI do PC e à dos Correios. Devolve aos protagonistas dos Poderes a chance de estabelecer o marco zero de um novo tempo, o tempo da ação saneadora, da revalorização da política, da restauração da honra e da honestidade.

Era o que eu desejava também para o futuro de Bruna quando ela nasceu, em 1988. Infelizmente eu estava errado. Espero não chegar a essa mesma conclusão daqui a 23 anos, quando Manuela estará pronta para trazer à luz minha primeira bisneta.

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