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Demóstenes e os ‘inocentes úteis’

Editorial do Jornal Cruzeiro do Sul de Sorocaba, SP

A desmoralização de Demóstenes Torres é também um atestado público da baixa eficiência da imprensa que, durante anos a fio, em miríades de reportagens, entrevistas, artigos e citações, transformou esse obscuro político goiano em arauto da moral e da ética no Congresso, sem ao menos desconfiar de suas relações com o mundo da contravenção ou, o que é mais perturbador, possivelmente desconfiando, mas optando por poupá-lo, por conivência ou conveniência.

As regras do jornalismo ensinam que a reportagem deve responder a seis perguntas básicas: o que, quem, quando, onde, como e por quê. As ligações de Demóstenes com o bicheiro Carlinhos Cachoeira – com quem o senador, ao que tudo indica, mantinha uma intensa troca de favores -, mostra que a chamada grande imprensa, aquela que tem acesso direto aos parlamentares, fracassou ao informar o “quem” à sociedade. Levou a acreditar em uma armação, um personagem de fachada.

O “equívoco” – vamos tratar dessa forma – assumiu proporções apologéticas em algumas publicações. Em julho de 2007, a revista Veja dedicou quatro páginas de sua edição nº 2015 para enaltecer alguns parlamentares que, segundo a publicação, eram “quase tudo com que os brasileiros podem contar no Congresso para que os interesses particulares não dominem totalmente a política”. Título da reportagem: “Os mosqueteiros da ética”. Um deles, claro, era o “incansável” Demóstenes Torres.

Já a revista Época, em dezembro de 2009, incluiu Demóstenes entre os cem brasileiros mais influentes do ano. O texto de apresentação, assinado pelo sociólogo Demétrio Magnoli – que ainda pode ser lido no site da revista -, enfatiza: “Demóstenes não é mais um comerciante no mercado em que se trafica influência em troca de cargos e privilégios. Ele tem princípios e convicções.” A edição de Época colocou o ex-democrata, hoje sem partido, na categoria dos “Líderes & reformadores”.

Boa parte da notoriedade de Demóstenes foi construída quando ele, como líder do DEM e membro da Comissão de Ética, fustigava figuras da política acusadas (sabe-se agora) de erros semelhantes ao seu. O senador goiano foi um dos algozes do ex-presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acusado em 2007 de receber favores de um lobista. “É intolerável sob qualquer critério que o presidente utilize a estrutura funcional do Congresso para cometer crimes”, disse na ocasião.

Tanta exposição na mídia levaram a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a encarregar o justiceiro de prefaciar o livro “Ficha Limpa – A Vitória da Sociedade”, publicado em 2010 pela entidade. Hoje, a OAB pede sua cassação. Nos últimos dias, surgiram críticas à forma como a imprensa aceitou Demóstenes Torres como o que ele afirmava ser, sem jamais investigá-lo a fundo para checar se não era mais um lobo em pele de cordeiro. Coube à Polícia Federal demonstrar o que nenhum jornalista jamais verificou: a relação espúria entre o “mosqueteiro da ética” e um dos maiores contraventores do País.

Poucos jornalistas fizeram mea-culpa. Entre as honrosas exceções, está o comentarista político Fábio Pannunzio, que admitiu em seu blogue: “Éramos, e me incluo nesse rol de inocentes inúteis, incapazes de distinguir um falsário de um herói, todos crentes na santidade do fâmulo do crime organizado.” Demóstenes, escreveu Pannunzio, era “o inquisidor indestrutível, garantia de boas aspas, a própria encarnação do Bem contra o Mal que confrontava na figura de seus alvos.”

A imprensa estará no lucro se for julgada apenas por sua ingenuidade, já que há indícios de que pelo menos alguns editores tomaram parte na farsa, a fim de se abastecer com denúncias exclusivas e atingir objetivos políticos. Como ninguém jamais investigará isso, essa será uma nódoa indelével que o Quarto Poder terá de carregar, até ao menos que algum feito notável (coisa rara, ultimamente) venha desfazer o mal-estar.

via Jornal Cruzeiro do Sul – Demóstenes e os ‘inocentes úteis’ – EDITORIAL – EDITORIAL.

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