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Parodiando Calligaris: O partido moralizador

Colaboração do leitor do Blog que assina como “Big Head”

O PT era oposição até que ganhou as eleições de 2002.

Seu capital político e sua popularidade foram adquiridos em boa parte graças à sua atuação prévia como combatente agressivo e inflexível da corrupção e dos crimes do colarinho branco.

Ora, descobriu-se que ele era freguês de uma rede de desvio de dinheiro público e que também recorria a artimanhas financeiras para que seus pagamentos -substanciais: R$ 10 milhões só para Duda Mendonça)- não fossem identificados.

Esse fato de crônica (no fundo, trivial) foi para a primeira página dos jornais dopaís inteiro -aparentemente, pela surpresa que causou: quem podia imaginar tamanha hipocrisia? Esse “espanto” geral foi, para mim, a verdadeira notícia da semana.

Começou no dia em que Lula deu uma declaração pública no Fantástico, reconhecendo os fatos e a culpa,impávido.

No programa “Entre Aspas″, da Globo News, a âncora, Mônica Waldvogel, convocou dois comentaristas. Um deles, uma cientista política, ofereceu imediatamente uma explicação correta e óbvia. Ela disse, mais ou menos: é muito freqüente que um partido moralizador raivoso castigue nos outros tendências e impulsos que são os seus e que ele não consegue dominar. Uma outra convidada, professora de filosofia da USP, quase levou um susto, acrescentando que essas eram, “claramente”, suposições, hipóteses, perseguição da mídia golpista contra o Governo Operário etc. Não é curioso?

Em regra, prefiro as idéias que são propostas, justamente, como hipóteses ou sugestões que cada um pode testar no seu foro íntimo.

Mas, hoje, considerar a dita declaração da especialista como uma suposição parece ser uma hipocrisia pior (e mais perigosa) do que a de Lula.

Afinal, depois de uns bons séculos de ciência política, estamos certos disto: o partido moralizador e o partido moral são figuras diferentes, se não opostas. 1) O moral se impõe padrões de conduta e tenta respeitá-los; 2) O moralizador quer impor ferozmente aos outros os padrões que ele não consegue respeitar.

Na mesma declaração, Lula confessou, contrito, que ele não conseguira identificar entre seus correligionários tais padrões imorais. Tudo bem: qualquer homem moral poderia confessar o mesmo. Mas ele acrescentou imediatamente que, a bem da verdade, esses eram os padrões morais de qualquer partido.

Aqui está o problema: o padrão moral que o PT se impõe, mas não consegue respeitar, é considerado por ele como um padrão que deveria valer para todos. Com que finalidade? Simples: uma vez estabelecido seu padrão como universal, ele pode, como partido hegemônico, impô-lo aos outros, ou seja, ele pode compensar suas próprias falhas com o rigor de suas exigências para com os outros.

Quem coloca ruidosamente a caça à Privataria no centro de sua vida está lidando (mal) com sua própria vontade de colocar a mão no pote de marmelada. Quem esbraveja raivosamente contra as privatizações está lidando (mal) com seus desejos privatizantes. Quem quer apedrejar neoliberais em economia está lidando (mal) com seu desejo de manter todo o arcabouço macroeconômico herdado do antecessor.

O apedrejador sempre quer apedrejar sua própria tentação ou sua culpa.

A distinção entre partido moral e o moralizador tem alguns corolários relevantes. Primeiro, o moralizador é um homem moral falido: se soubesse respeitar o padrão moral que ele se impõe, ele não precisaria punir suas imperfeições nos outros. Segundo, é possível e compreensível que um partido moral tenha um espírito missionário: ele pode agir para levar os outros a adotar um padrão parecido com o seu. Mas a imposição forçada de um padrão moral não é nunca o ato de um partido moral, é sempre o ato de um partido moralizador.

Em geral, as sociedades em que as normas morais ganham força de lei (os Estados confessionais, por exemplo) não são regradas por uma moral comum, nem pelas aspirações de poucos e escolhidos homens exemplares, mas por moralizadores que tentam remir suas próprias falhas morais pela brutalidade do controle que eles exercem sobre os outros. A pior barbárie é isto: um mundo em que todos pagam pelos pecados de hipócritas que não se agüentam.

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