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Legista da ditadura promete revelações na comissão

Ex-diretor do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo nos anos 70, o legista Harry Shibata diz que tem revelações a fazer para a Comissão da Verdade, que apura os crimes da ditadura. Aos 85 anos, vivendo recluso em uma casa de dois pavimentos e piscina no Alto de Pinheiros, Shibata nega a maior acusação que pesa contra ele, a de falsificar laudos e atestados de óbitos para esconder torturas e mortes no regime militar.
O legista assinou a autópsia do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, que morreu sob tortura, mas teve sua morte divulgada como suicídio. É acusado de ter falsificado outros inúmeros laudos. Assinou o laudo de Sonia Maria de Moraes Angel Jones, que, depois de torturada, teve seus seios arrancados e foi estuprada com um cassetete. A versão do legista foi de morte em tiroteio.
Shibata é processado pelo Ministério Público Federal por ocultação de cadáveres por causa do encontro de ossadas de presos políticos no cemitério clandestino de Perus, em São Paulo. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, ele confirma que assinou o laudo de Herzog, mas nega ter visto o corpo.
— Eu não fiz a autopsia porque o segundo perito não participa. É praxe. Ele lê o laudo, conversa com quem fez o exame. Se ele estiver de acordo, assina. Eu não assinei como suicídio. O laudo dizia que ele morreu de asfixia por enforcamento. No caso do Vlado, ele morreu de asfixia mecânica por enforcamento. Se enforcaram ou não enforcaram, se é suicídio, homicídio ou acidente, não é função do legista. Isso é o inquérito que vai dizer.
Apesar de garantir que não viu o corpo de Vlado, o legista afirma que tem segredos para contar à comissão e à viúva de Vlado, Clarice Herzog, que mora a 300 metros de sua casa. Perguntado se faria uma revelação, respondeu:
— Se for chamado, sim. Eu não quero que você publique uma coisa antes que a Comissão da Verdade saiba. Para você, é um furo, para eles é um “atrapalho”. Eu não sei o que eles vão procurar realmente.
Embora negue ter visto cenas ou vestígios de tortura nos presos políticos, Shibata diz que ela existe “em qualquer lugar do mundo”:
— Eu não acredito que não exista polícia que não faça tortura — disse ele, que não descarta o método como forma de investigação: — Olha, se você tiver que pensar em termos de combater estuprador, assassino, a maldade, uma certa forma assim, cruel, eu não sei.
Shibata diz que nunca fez um laudo falso:
— Absolutamente. Nunca. Imagina. Eu tenho um juramento comigo mesmo. Eu sou espiritualmente muito doutrinado. E Jesus foi sempre quem pregou a verdade: “em verdade, em verdade, vos digo”— afirmou, dizendo que vai ter de “corrigir a mídia”: — É tudo mentira.
O legista mais famoso da ditadura militar diz que nunca viu uma cadeira do dragão, usada nas torturas com eletrochoques.
— Como é a cadeira do dragão? Você tem ideia? Eu nunca vi — disse ele, concluindo, depois que a reportagem falou sobre os choques elétricos: — Ah, toma choque? É tipo cadeira elétrica, então? Se você está dizendo isso de cadeira do dragão, de choque… Choque não deixa vestígio.
Apesar de dizer que “honestamente falando” nunca encontrou vestígio de tortura, o legista confirma:
— Eu sabia que havia tortura, mas não entro no mérito.
Shibata nega que o IML tenha recebido orientação de não descrever o estado geral dos corpos autopsiados, ignorando marcas de tortura:
— Nunca houve essa intervenção. O que a polícia sempre pedia é que a gente tinha de receber a requisição policial, o pedido de autopsia. Se você tem um hematoma, se descreve o hematoma. Se ele caiu, se apanhou, não é função nossa.
Se depender de Harry Shibata, a localização dos desaparecidos na ditadura militar continuará uma incógnita.
— O que acontece muita vezes é que quem pratica esses atos, os pratica muito bem e a gente nunca vai saber. Desaparecido é desaparecido. Onde está, não sei. Especular a respeito de como foi feito o desaparecimento é difícil, né? Se o cara foi enterrado com o nome falso, acontece muitas vezes — disse ele, respondendo sobre as ossadas de Perus: — O problema não tem nada a ver comigo, nem com o IML. A função de enterro é do cemitério.
O legista afirma não ter conhecido a presidente Dilma durante o regime militar porque não acompanha política.
— Eu acredito que ela esteja fazendo uma boa gestão. Eu votei no Serra. Não conhecia a Dilma. Nunca ouvi falar dela nos anos 70. Sou meio apolítico. Quando Carlos Marighella morreu, eu que fiz a autopsia. Não sabia quem era. Ele morreu metralhado. Eu só soube depois, quando pediram para fazer o laudo imediato, porque havia pressa, a polícia pediu urgência no laudo.

Beba na fonte: Legista da ditadura promete revelações na comissão – O Globo.

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