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As drogas e o projeto de reforma do Código Penal

Foram necessários sete meses de trabalho intenso para que a comissão de juristas encarregada do anteprojeto de reforma do Código Penal chegasse ao texto final que agora tramita pelo Senado. O resultado é uma proposta que cria novos tipos penais, estabelece critérios de objetividade e verossimilhança para o cálculo das punições e de fato atualiza e condensa a legislação especial.

Com efeito, a proposta é necessariamente polêmica porque traz para a luz a discussão de problemas que vinham sendo tratados no âmbito da jurisprudência produzida pelos tribunais e de alterações pontuais na legislação ao longo dos últimos 55 anos.

Uma delas diz respeito uso e porte de substâncias entorpecentes. A discussão promete ser explosiva e vai dividir opiniões até que o Congresso possa definir o que deve e o que não deve ser permitido no País.

O blog tem uma posição clara a respeito do assunto: é a favor da descriminalização do uso individual e do porte de pequenas quantidades, bem como da produção para o autoconsumo. É também a favor do endurecimento das penas destinadas aos traficantes e dos aliciadores.

Vejamos o que diz a proposta elaborada pela comissão de jusristas:

Art. 212. Importar, exportar, remeter, preparar,  produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – prisão, de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

(…)

§2º Não há crime se o agente:

I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal;

II – semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.

§3º – Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente. 

Se vier a ser aprovado, o texto representará um enorme avanço em relação aos dias de hoje, em que as drogas são tratadas como problema de natureza policial quando, na verdade, estão afetos aos direitos individuais e à saúde pública.

Ao enumerar as justificativas para essa mudança conceitual, o jurista Técio Lins e Silva aponta “o acerto da retirada dos vegetais do chá Hoasca (ayahuasca, daime, cipó, mariri, yagé ou kamarampi) da relação de substâncias proibidas, editadas pelo Ministério da Saúde, por exemplo, está comprovado na prática. Nesses quase 30 anos de sua liberação, não existe registro de abuso dessas substâncias ou sua utilização fora do uso ritual. Essa postura liberal do CONFEN não causou nenhum problema epidemiológico ou de abuso”.

É de se pensar, percorrendo o caminho inverso, o que teria acontecido se o CONFEN tivesse decidido proscrever ou criminalizar  o consumo dos chás entorpecentes derivados dos cipós amazônicos. Teríamos com certeza uma legião de pessoas apenadas por algo que se revelou socialmente infenso — a despeito dos alertas de cientistas no sentido de que a ingestão dessas substâncias pode fazer mal à saúde física e mental de seus usuários. Pajés, caciques, guias religiosos e usuários eventuais seriam trancafiados em presídios pelo ato criminoso de fazer e tomar um chá alucinógeno em cerimônias coletivas de contemplação e mediatação. Teria valido a pena ?

Não se sabe qual será a disposição dos deputados e senadores para enfrentar essa questão. Mas ela já teve o efeito sudável de tirar o tema do baú dos tabus proibidos, assim como um dia, há mais de 40 anos, foi proposta a redicussão da proibição do divórcio. Houve quem, àquela altura da história, considerasse absurdo o Estado deixar de se intrometer entre as paredes que conformam o ambiente privativo dos casais e das relações afetivas.

Se não vingar a descriminalização, pelo menos um passo terá sido dado.

Mas conformar-se com isso é pouco diante da chance brilhante que o País tem encaminhar o problema para a seara apropriada. O correto seria chancelar o que os especialistas indicam e livrar o uso pessoal e recreativo das drogas do estigma do encarrceramento.

Com menos usuários ocupando vagas nos presídios, vai sobrar espaço e vigor à polícia para trancafiar quem deve ser preso: os grandes traficantes, os aliciadores de crianças para o consumo e o comércio de entorpecentes, e os policiais, promotores e juízes que lucram com o mercado fértil da corrupção.

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