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Que venha o orçamento impositivo!

Charge de Chico Caruso publicada em O Globo em 3/3/2011Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,

Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:

É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,

É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

(Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)

A vida de um deputado do chamado baixo-clero, categoria em que 9,5 entre dez parlamentares se enquadram, pouco difere da de um representante comercial um caixeiro-viajante. O que ele faz, do amanhecer ao anoitecer, é percorrer incansavelmente ministérios pleiteando a liberação de recursos das emendas que conseguiu emplacar no Orçamento da União.

Essas emendas têm várias finalidades. Uma delas é fazer dinheiro. O deputado e o prefeito constroem arranjos financeiros com empreiteiros desonestos para a execução de obras e o desvio de parte dos recursos para seus próprios bolsos.

Mas há que se reconhecer que elas também atendem a demandas de uma parcela da população que está distante da burocracia federal e à qual os ouvidos do Planalto são moucos e insensíveis.

Historicamente, a liberação ou o contingenciamento dessas emendas decorre da avaliação que o governo faz do comportamento do parlamentar em plenário. Se ele é subserviente,  “leal”– ainda que na oposição — e cumpre seu papel na manada governista, é aquinhoado generosamente.

Caso se mostre independente demais ou eventualmente se insurja contra as orientações repassadas à base, é tratado apenas a pão e água.  Muitas vezes termina seus dias humilhado nas antessalas de Brasília, sem ao menos conseguir ser recebido pelo sub do sub que tem a caneta na mão.

É por tudo isso que ao governo provoca calafrios a aprovação da PEC que torna o cumprimento dessa fração do orçamento impositivo. Sem controle sobre as liberações, o Planalto perde muito mais do que as torneiras orçamentárias. Perde seu maior instrumento de controle ou, caso prefira, de coação sobre a vontade  — ou a consciência — dos deputados e senadores. É isso o que está em jogo.

Com a liberação compulsória das emendas, os congressistas estarão muito mais à vontade para votar, se quiserem, de acordo com suas próprias convicções ou conveniências. Estarão livres do torniquete que, ao amordaçar suas consciências, abre o caminho para a corrupção deslavada que infesta o Poder central.

Anestesiar consciências, promover o voto de conveniência por alguns trocados, é essencialmente uma forma de corrupção institucional que, no Brasil, passou a ser vista como normal e até desejável, já que sempre houve lucros de parte a parte.

Com o orçamento impositivo, almas que ainda podem ser resgatadas do purgatório patrimonialista certamente se sentirão mais à vontade para voltar à luz do dia e atuar com algum norte ético ou reatar vínculos de lealdade com o eleitor, este sim o grande perdedor do troca-troca francisco imoral e indecente que domina há anos o Congresso Nacional.

Se vai haver ou não uma melhora na qualidade da representação parlamentar, o tempo dirá. É provável que os vícios dessa cultura tenham feito estragos éticos insanáveis. Mas eles certamente terão mais tempo para se dedicar a algo que a maioria nem sabe direito como funciona: a elaboração de leis, a atuação em plenário e a fiscalização do Poder Executivo.

Pelo menos um mérito há que se reconhecer nesse projeto. Ele acaba com aquela figura abjeta do deputado sempre com o pires na mão que, como um pedinte, vai esmolar na Esplanada.

 

 

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