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Esporro de Dilma: em casa onde falta pão, todos gritam, ninguém tem razão

Dilma Rousseff falou grosso ontem. Delimitou a distância entre o céu e o inferno para confrontar as razões que teriam levado um funcionário do terceiro escalão do Itamaraty a desafiar dois governos e trazer ao Brasil o senador boliviano Pinto Molina. Acertou na forma, visto que pelo menos tomou alguma posição, embora o que já se saiba não autorize a versão de que o governo brasileiro simplesmente não sabia da possibilidade da empreitada. Mas errou no conteúdo, porque nem o céu pode parecer tão celestial assim depois de um ano e meio de clausura — ainda que seja na embaixada em La Paz, e não nas dependências do DOI-CODI.

Se tivesse falado grosso meses atrás, talvez não estivesse agora se defendendo de sua própria incompetência — aquela que leva o chefe a alegar desconhecimento das ações de subordinados que não aprova. Veja se essa fala não cairia bem um ano e meio atrás, logo depois da concessão do asilo: “Eu estive confinada no DOI-CODI. E posso assegurar que a diferença entre estar segregado no cubículo de uma embaixada e poder circular livremente no País que me acolhe como asilado é a mesma que existe entre céu e inferno”.

Mas essa é uma fala impossível. Porque representaria uma censura ao comportamento de Evo Morales, que tantas humilhações tem imposto ao Brasil sem sofrer nenhum constrangimento. E Dilma, que fala grosso com seu subalterno, fica muda diante das vergonhas que o colega de La Paz lhe inflige de tempos em tempos.

Ademais, fica cada vez mais claro que falta verossimilhança a esse discurso. Ainda que isolada e aparentemente tresloucada, a atitude do diplomata  não se encerra nessa viagem maluca do altiplano andino ao Pantanal sul-mato-grossense. Existe nela um passado, um longo passado que trata das condições de isolamento determinadas pelo governo Morales ao longo de 455 dias de prisão domiciliar ilegal do asilado na embaixada brasileira.

Contra isso, nem uma palavra sequer se ouviu do governo brasileiro. As únicas manifestações, pelo que se sabe até agora, são aquelas contidas na correspondência entre Eduardo Sabóia e seus superiores em Brasília acerca do agravamento do quadro de saúde do senador Pinto Molina e das ameaças que ele supostamente vinha sofrendo.

Mas não é apenas isso. Com os antecedentes da operação que já se conhece, é possível afirmar que não encontra amparo na verdade factual o discurso de que ninguém sabia do que estava prestes a acontecer. Os jornais noticiam que a própria Dilma já havia desautorizado uma iniciativa semelhante proposta pelo governo Evo Morales. O senador seria trasladado exatamente como foi até a fronteira e ingressaria no Brasil exatamente como entrou . Dilma teria dito ‘não’ por temer pela segurança do asilado.

Se é verdadeira a informação, pior ainda para a Presidente. Ela não terá como explicar por que, mesmo diante de informações gravíssimas sobre a conduta ilegal de Evo, não mandou o Itamaraty tomar uma posição contundente em favor da expedição do salvo-conduto, visto que era obrigação do governo brasileiro zelar pela segurança do homem que a representação diplomática brasileira decidiu acolher. Isso coloca o governo brasileiro no papel de guarda-de-presídio auxiliar do senador e de cúmplice de seu encarceramento involuntário, exatamente como disse Eduardo Saboia ao se valer da metáfora do DOI-CODI.

Outros detalhes ainda obscuros são bastante eloquentes, ainda que se possa apenas supô-los, e precisam ser melhor conhecidos. Já se sabe — está no Estadão de hoje — que os militares subordinados a Celso Amorim, que antecedeu Patriota no Ministério das Relações Exteriores, avisaram seus superiores da operação, ainda que informalmente. E Celso Amorim, não se sabe por que, ou não tomou conhecimento do alerta, ou não lhe deu importância, ou foi bypassado de maneira ardilosa pelos oficiais das três armas que lhe estão subordinados.

Para que a coisa toda se desse dessa forma, é preciso imaginar uma conspiração envolvendo um grande número de funcionários do governo, civis e militares, agindo deliberadamente contra a hierarquia, os interesses e as determinações que emanam de Brasília.  E isso, simplesmente não é crível nem possível.

O mais provável é que a operação tenha sido tramada com o beneplácito do próprio governo Morales. Que Eduardo Saboia tenha empreendido a viagem com a certeza de que não enfrentaria  riscos tão grandes quanto se imagina agora. E que, como o governo de La Paz, o de Brasília tenha se omitido, dolosamente ou por puro descuido, com o objetivo de  engendrar um desfecho para o longo período de cativeiro do senador asilado.

Agora a Presidência da República tem dois pepinos nas mãos, e não apenas um. Pinto Molina está no Brasil e vai ser difícil deportá-lo porque, a despeito das formalidades suscitadas pelo advogado-geral da União, ele foi acolhido como protegido pelo governo brasileiro. Nem as minúcias formais  sobre a natureza do asilo, se ‘diplomático’ ou ‘político’, poderiam justificar moralmente a deportação. Isso desmoralizaria de vez o instituto do asilo e o que resta de respeito à tradição diplomática, já tão vilipendiada pelo governo petista.

O segundo pepino é a simpatia despertada na opinião pública pela iniciativa de Saboia. Ele tem sido identificado como uma espécie de herói que age por patriotismo, colocando seu mister acima da conveniências da carreira e até da preocupação com sua segurança pessoal. E tudo isso por altruísmo e respeito ao sofrimento alheio. Já há páginas no Facebook em apoio a sua iniciativa e vozes importantes se levantam para defendê-lo dos ataques do Planalto.

Antes, tínhamos uma embaixada sitiada e um senador cativo em La Paz. Agora temos toda a oficialidade em xeque e um herói em construção vagando pelo território brasileiro.

Temos o nosso Snowden, que nestas plagas assina Saboia. Até o prenome de ambos, Eduardo e Edward, cheira como algo simbólico, muito além de uma coincidência incidental.

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