O porto de Albina, os barcos que levam os garimpeiros para a Guiana e a multidão de descupados.
A onda de violência contra os brasileiros em Albina, no Suriname, só pode ser explicada como a culminação de um processo de intolerância racial que há anos vem pautando produzindo feridas nas relações entre quilombolas e garimpeiros.
A economia da pequena cidade, que fica na fronteira com a Guiana, vive basicamente do comércio de gêneros que abastecem os garimpos. E do dinheiro apurado no transporte de passageiros entre os dois países divididos pelo rio.
Os moradores de Albina são remanescentes de quilombos. Os negros não se submetem às leis civis e fazem suas próprias regras.
Os garimpeiros, por sua vez, vêm de redutos miseráveis do Brasil, como o interior do Maranhão, Pará e Piauí. São analfabetos em sua maioria. Muitos deles são procurados pela polícia brasileira e encontram ali não apenas refúgio, mas também um jeito de ganhar a vida.
Os brasileiros tratam os quilombolas como “pretos”. Dizem que eles são extorsionários desocupados que têm nos assaltos sua principal fonte de renda.
Caminhar pela rua principal de Albina é uma experiência inesquecível para um jornalista brasileiro. As manifestações de hostilidade são claras e diretas. Há ameaças a todo momento. E de uma hora para outra forma-se uma roda em torno dos repórteres com o objetivo de intimidar-nos e humilhar-nos. É preciso ser firme para não permitir que as ameaças se transformem em selvageria.
O que os quilombolas dizem é que os garimpeiros são todos ladrões e assassinos. Apesar do absurdo da generalização, eles não deixam de ter razões em muitos casos.
Na viagem entre Paramaribo e Albina, demos carona a um garimpeiro que está lá há seis anos. Ele me contou que “de vez em quando a gente corta a cabeça de um ‘preto’ porque esses filhos da puta vivem roubando tudo”. O “preto” nem precisa estar de posse de algo roubado. Basta ser apanhado rondando as imediações de uma lavra para ser condenado à pena capital.
A desforra geralmente acontece quando os garimpeiros vão a Albina para se abastecer de víveres e depositar o ouro amealhado nos barrancos e baixios da Guiana. São comuns os assaltos no caminho. Eles acontecem preferencialmente na beira da rodovia que liga Albina a Paramaribo. A estrada está em péssimas condições e há locais em que os carros passam com velocidade muito reduzida.Começam invariavelmente com a morte do motorista por um tiro de espingarda calibre 12. Tira a sorte grande quem perde apenas dinheiro ou fica ferido sem gravidade.
De acordo com os brasileiros, os informações que orientam os assaltantes são passadas pelos barqueiros que levam e trazem os garimpeiros. “Eles se fingem de amigos da gente, mas ficam o tempo todo querendo saber se a gente bamburrou ou não para armar os assaltos”, conta o garimpeiro a quem demos carona.
O resultado disso é uma sociedade em que os antagonistas vivem curiosa relação de ódios recíprocos e desconfiança generalizada. Apesar de simbioticamente dependerem uns dos outros para ganhar a vida.