Ramon Monteagudo, do site Midianews
O Judiciário mato-grossense enfrenta a pior crise institucional de sua história. E a crise pode piorar, caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ) comprove algo referente a um suposto esquema de venda de sentenças, objeto de investigação por parte da instituição. A opinião é do desembargador aposentado Paulo Lessa, que encerrou sua carreira ontem, a pedido, por tempo de serviço.
Nesta manhã, Lessa concedeu entrevista coletiva para falar sobre sua decisão e sobre a crise que assola o Judiciário. Ele negou, de maneira enfática, que tenha se aposentado como forma de “fugir” de possíveis constrangimentos, como uma punição futura por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Essa tese é absolutamente improcedente. Até porque minha aposentadoria não me exime de possíveis responsabilidades e punições por atos praticados em minha administração como presidente do Tribunal. Aliás, se eu tivesse alguma pendência, eu nem poderia me aposentar”, afirmou.
Lessa reiterou que desde o ano passado estava decidido a se aposentar, já que foram cumpridos, em 23 de novembro passado, os 30 anos necessários de magistratura. As circunstâncias, no entanto, o fizeram mudar de idéia. “Entendi que já era chegada a hora de descansar, pois metade da minha vida dediquei ao Judiciário. Mas vi que, naquele momento, não seria propicio, em função do clima de racha no TJ e as investigações em curso. Então, aguardei o desenrolar dos fatos. Com a solução de questões pendentes, achei que o momento ideal era esse”, disse.
“TJ é um doente saindo da UTI”
Se dizendo “cansado e desestimulado” para ter continuado a exercer o cargo de desembargador, Lessa classificou a atual situação do Judiciário como “pior do que na época da morte do juiz Leopoldino Marques do Amaral”, em 1999.
“Agora a situação é pior porque envolve um número maior de pessoas. E falo isso com pesar, inclusive o afastamento dos dez magistrados pelo CNJ não deixou ninguém feliz”, disse.
Para ele, o clima no Judiciário estadual é, atualmente, “desagradável”. “É claro que o racha interno ainda existe. E o ambiente está pesado, não há alegria ou descontração entre os desembargadores”, disse.
Ele afirmou que a situação do Poder deverá melhorar em médio prazo. “O Tribunal de Justiça é um doente saindo da UTI. Ele enfrentou uma cirurgia grave, conseguiu sobreviver e agora vai precisar de tempo para se recuperar”, disse.
Venda de sentenças
Lessa também revelou que já ouviu comentários sobre a suposta existência de uma “Máfia” no Poder, que operaria um esquema de corretagem e vendas de sentenças, formada por juízes, advogados e funcionários do Tribunal de Justiça. “Já ouvi muito comentários, como todo mundo. Até me deparei com possíveis indícios em dado momento, mas não sei dizer nada a respeito disso”, afirmou.
Segundo ele, a investigação em curso pelo STJ teve origem na auditoria feita em sua gestão como presidente do Poder. Na ocasião, o desembargador Orlando Perri foi o corregedor-geral. Foi essa mesma auditoria que culminou com a investigação e aposentadoria dos dez magistrados pelo CNJ. “Nós mandamos o resultado da auditoria para o Ministério Público Estadual, Superior Tribunal de Justiça e Conselho Nacional de Justiça”, disse.
“Detectamos que havia um esquema na distribuição dos processos, envolvendo funcionários do setor de Informática e do Departamento Judiciário Auxiliar”, disse. Segundo ele, o desembargador Perri resolveu passar o caso para a Polícia Federal e a Delegacia Fazendária.
“Infelizmente houve um vazamento dos nomes dos possíveis envolvidos. Esse vazamento aconteceu na Delegacia Fazendária, que teve que abortar as investigações”, disse.
Filhos
Questionado sobre rumores de que poderia fazer parte desse suposto esquema de venda de sentenças, inclusive por ter dois filhos advogados, Lessa reagiu com tranquilidade: “Sei que existem esses comentários, mas isso é retaliação contra a minha pessoa, é coisa de quem quer me atingir”.
Segundo Lessa, os fatos se encarregarão de mostrar a verdade. “Meus filhos são profissionais independentes, que atuam sem nenhuma relação comigo. Se eu tivesse qualquer tipo de envolvimento com essas coisas não investigaria isso na minha gestão, como fiz. Vocês acham que eu daria um tiro no próprio pé?”, indagou.