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Abuso da corregedoria contra escrivã despida era desnecessário para condená-la

Os abusos registrados em video duranta a prisão em flagrante de uma escrivã da Polícia Civil paulista acusada receber propina (conheça mais e veja o video aqui) eram desnecessários para a instrução de um processo criminal. A conclusão é de quatro promotores de justiça reunidos na noite deste sábado para discutir o caso.

Chocados com a crueldade empregada para obter a prova do recebimento de suborno, os promotores concluíram que tudo aquilo era desnecessário para a instrução do processo que falatalmente culminaria com a condenação da escrivã V.F.S.L. — e, mais grave, os policiais que participaram da operação sabim disso. “Qualquer estudante de direito sabe”, disse um deles.

O crime pelo qual a escrivã era investigada acusada é o de concussão, tipificado pelo Artigo 316 do Código Penal como “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. A prova, segundo o doutrinador Damásio Evangelista de Jesus, “ocorre com a exigência (oral, escrita, por interposta pessoa, por gestos etc) no instante em que esta chega ao conhecimento do sujeito passivo” (a pessoa que pagou suborno para se livrar do flagrante de porte ilegal de arma).

Em seu livro Código Penal Anotado, o doutrinador  assinala que “não se exige, para a consumação do delito, a consecução do fim visado pelo agente, qual seja a obtenção de vantagem indevida”. Damásio também prescreve que a consecução independe de prova da obtenção da vantagem indevida: “se conseguida [a prova do pagamento da propina], fala-se em consecução exaurida, circunstância que não altera o título de delito nem a pena abstrata”.

“Isso significa que a prova para condená-la não é aquela obtida no momento em que a escrivã é despida, quando o dinheiro é localizado”, diz um dos promotores. “Naquele momento, a prova já havia sido produzida, uma vez que os diálogos entre a policial e sua vítima foram gravados em escutas telefônicas feitas com autorização judicial”, concordam os integrantes do Ministério Público paulista.” Tudo o que se verficou daí em diante era abuso de autoridade e constrangimento ilegal de delegados sem noção de seu limite de atuação”, avaliam.

Para todos eles, é ainda mais difícil entender por que esse detalhe foi desconsiderado pela Corregedoria da Polícia Civil durante a investigação do comportamento dos policiais na instância administrativa. “Houve uma deliberada ação para acobertar os crimes cometidos pelos delegados-corregedores numa operação em que o objetivo já havia sido alcançado muito antes”.

Também causa espanto aos procuradores a atitude do colega do MP que mandou arquivar a investigação contra os policiais da Corregedoria. O promotor que esteve a cargo do processo na Vara Criminal do Forum Distrital de Parelheiros, entendeu que ao comportamento dos delegados durante o flagrante “não revela vingança, ódio, emulação ou capricho, apenas rigor no efetivo exercício do poder de polícia ante as circunstâncias do caso”.

Os integrantes do Ministério Público também se disseram frustrados quanto à expectativa de ver os policias punidos. Segundo eles, o arquivamento do inquérito determinado pelo colega de Parelheireiros torna praticamente impossível, à luz da legislação processual penal, a reabertura do caso.

Uma das nuances mais graves do episódio, todos concordam, é a mensagem de que a Corregedoria, que existe para coibir abusos dos policiais, admita e empregue ela mesma métodos cruéis e ilegais em suas ações. A Corregedora-Geral Maria Inês Trefiglio, no entanto, apoia a conduta. Ontem, em entrevista ao Jornal da Band, ela afirmou ao repórter Sandro Barboza, co-autor das reportagens que o Blog do Pannunzio e a Rede Bandeirantes vêm publicando, que a violência de seus subordinados “se fez necessária depois de 48 minutos da atuação” de sua equipe.

O governador de São Paulo, Geraldo Alkmin, cobrou explicações da Corregedoria e determinou que todas as informações sobre o caso sejam levantadas, mas não esboçou juízo de valor.

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