
A foto acima, descoberta pelo jornalista Ricardo Amaral e publicada em seu livro “A Vida Quer é Coragem”, é o emblema de um dos período mais tristes da história brasileira. Aos 22 anos de idade, a militante Dilma Rousseff enfrenta a corte militar com altivez e dignidade — enquanto seus algozes, envergonhados, escondem o rosto. Os signos aí expostos denotam de maneira contundente o embaraço moral reservado aos que tinham, por ofício, o dever de defender (ainda que no contexto das instituições golpeadas) a ditadura brutal que se instalara no País seis anos antes.

Mas nem todos os brasileiros se sentiam constrangidos em apoiar enfaticamente o regime dos quartéis que aposentou a política, calou a imprensa e perseguiu de maneira atroz e determinada os que a ele se opunham. Naquele momento da história , a revista Veja, a exemplo de vários outros órgãos da imprensa brasileira, apoiava declaradamente o golpe de 64. Alguns jornalistas que lá trabalhavam faziam uma defesa entusiasmada do regime. O texto que reproduzo ao lado é parte da Carta ao leitor da edição número 82, de 1º de abril de 1970. Foi escrito e assinado pelo jornalista Mino Carta.
Deve-se reconhecer que, anos depois, Mino se lançou de corpo e alma nas várias campanhas pela reinstitucionalização do Brasil. Mas, naquele momento complicado da vida institucional de País, ele e a revista que dirigia estavam em outra condição — a de áulicos do regime militar. Não é necessário mais do que uma releitura dos arquivos do Acervo Digital de Veja, que podem ser consultados gratuitamente por qualquer um, para a checagem da veracidade desta afirmação.
Pode-se argumentar que os jornalistas eram acossados pelos censores. Eram mesmo. Quando Vladimir Herzog foi morto, anos depois, Veja saiu sem a seção Brasil. Imagino que todo o material que se pretendia publicar tenha sido censurado. Porque era exatamente isso o que censura oficial fazia: suprimir.
Não obstante, não há registro de que a vigilância do Estado sobre a imprensa tenha feito com que um jornalista escrevesse, contra suas convicções e o universo fático, elogios ao regime.
Nas páginas da edição 82, os militares (como os que escondem a cara na foto que antecede este post) são descritos desta forma: “Esses homens saídos dos quartéis destrincharam aos poucos as sutis malhas da crise brasileira. Para enfrentá-la dispunham da formação idealista e combativa que receberam nas escolas e unidades e da unidade de objetivos que cultivaram na vida da tropa”. Longe dos olhos da opinião pública, outra ala de “idealistas combativos” submetia a atual Presidente às mais abjetas formas de tortura durante 22 dias consecutivos.
A matéria descreve os milicos dos anos 70 como homens que, “entre o apego às origens [humildes] e o fascínio pela pompa que revestia o poder, preferiram desmistificar a importância dos cargos” . E segue enaltecendo os hábitos austeros da nova burocracia de farda. Homens que “perceberam que havia outras tarefas, além do combate à subversão e à corrupção — e pensaram no futuro”, como se pode ler na Carta ao Leitor.
A linha-dura do regime mereceu menções elogiosas à parte. Veja afirma que “o militar que em 1964 lutava contra a subversão e a corrupção, hoje, sem transigir com nenhum dos seus antigos inimigos, está empenhado ao mesmo tempo na construção de uma nova política social e econômica para o País”. Seria uma referência velada ao militar de 68 em diante, quando o monstro da ditadura se apresentou com sua pior face após o fechamento do Congresso, a edição do AI-5 e a supressão do habeas-corpus?
Sem esboçar a mais dócil crítica ao governo, a reportagem foi prodigiosa em apontar as conquistas do regime. “A ação dos militares em cargos técnicos deu resultados surpreendentes em muitos casos”, pontifica o texto. Um dos personagens enaltecidos é o então Coronel Cesar Cals Filho, que “mora em casa alugada, não tira férias de 1958 e só janta em restaurantes aos domingos, em companhia de toda a família”.
Ao final da reportagem, Veja assevera que “para alguns setores, os militares representam uma intromissão estranha, que modifica radicalmente o jogo social, econômico e político; para outros, ao contrário, a intervenção dos militares é recebida como a última — e única — alternativa à preservação do regime”. Para concluir que, até a chegada do momento de devolver o Poder aos civis, “os militares continuarão a exercer o poder político com o mesmo sentido de missão a cumprir que um jovem oficial cultiva, comandando uma companhia de fronteira, ou que um velho general aplica no último posto de comando”.
Imagino o que teria sentido aquela menina de 22 anos da foto ao ler essa reportagem entre um choque elétrico e uma sessão no pau-de-arara. Imagino também que a farsa engendrada pela Imprensa Golpista de então — aquela que idolatrava o golpe — tenha relação com a altivez dos olhos da prisioneira Dilma Rousseff. E que o o contraste entre o mundo dourado da oficialidade, projetado por reportagens como essa, e o mundo real dos porões, seja a causa da vergonha que deve ter levado os juízes da ditadura a esconder o rosto do fotógrafo. Os homens sem rosto sabiam o que estavam fazendo.
Os editores de vejam, também.
abaixo, a íntegra do texto, que pode ser lido também no Acervo Digital da Revista Veja.
12 comments
Num outro post, de hoje, acho, o Pannunzio defende a Veja e o Policarpo Jr no atual caso do Cachoeira. Em vários outros mostra as ordinarices da mesma – e de seus editores de então – durante a ditadura.
Juro que não vi nada assim na blofosfera antes.
Será q finalmente achei um jornalista imparcial pra ler, que cobre todos os mal feitos, não interessa a ideologia ou os partidos de quem os cometeu?
Quem diria! Quem te viu, quem te vê. Mino e PHA já se lambuzaram no puxa-saquismo militar. E hoje posam de vestais, pelo menos formalmente né, pois o que eles gostam mesmo é de um bom anúncio de estatal, ou um belo banner da Caixa tremulando no seu (dele) blog. Uma vez JEG, ou BESTA, meu caro, é para sempre! Dinheiro chapa branca vicia.
abs
Você acha que a Caixa, Petrobrás, e outros não deviam realizar anúncios em veículos midiáticos… como Globo, Band, Veja, Carta Capital, sites diversos?
É isso?
Ou apenas uma parte da mídia é que deveria ficar de fora para receber verbas publicitárias?
Não estou fazendo juízo algum neste momento quanto ao posicionamento contrário ou favorável à situação (Governo), mas apenas tentando entende…
Acho que deveriam sim. Com base nos critérios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. E orientados por análises técnicas de audiência.
E como é feito hoje em relação a todos estes veículos?
Veja, Época, Isto é, Carta Capital…
Globo, Band, SBT, Record…
Folha de São Paulo, Estado de São Paulo…
PHA, Nassif,…
pequenas rádios, pequenos jornais, …
etc…
Como é feito? não é com base nos critérios constitucionais da impessoalidade e da moralidade?
Você poderia explicar e trazer dados confiáveis sobre isto?
Em nível nacional, e também em relação aos estados mais ricos, como Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais…
Assim, teríamos parâmetros para uma discussão.
Enfim, a relação dos governos e a mídia, qual é?
Você chegou a ler isso?
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/apareceu-o-video-de-quando-paulo-henrique-amorim-o-ultrapetista-ultragovernista-ultraesquerdista-e-ultralulista-ainda-nao-tinha-a-alma-vermelha-lula-era-o-seu-alvo/
Dá nojo. Como tem gente que se deixa enganar por esse cara?
Parece que o texto do Mino é de uma sutil ironia. Sendo assim, não é o caso de pensar que ele se manteve coerente com o que é agora?
Sutil ironia? São páginas e páginas de elogios.
Pannunzio, eis um caso de lavagem cerebral…
Achei que por aqui podia-se debater assuntos, mas o Mario deu a deixa de que não é bem assim. Trevas mode: ON.
Pode sim, Fernando. Sua contribuição é bem-vinda.
Olá Pannunzio,
acho que eles esconderam o rosto para não serem identificados pela guerrilha, seriam alvos fáceis. Abc.