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ROTA mata a mando do PCC e usa QG como escritório para achacar bandidos, afirma inteligência da polícia civil

A ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), grupo de elite da PM paulista, pode ter promovido atentados, executado inocentes e forjado um atentado ao quartel da corporação para extorquir membros do PCC (Primeiro Comando da Capital). As informações estarrecedoras constam de dois relatórios produzidos pelo Departamento de Inteligência da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil de São Paulo. Os documento, de número 18 e 19/2010 (clique para obter uma cópia em .PDF), foram encaminhados ao gabinente do secretário de Segurança Pública Antônio Ferreira Pinto e terminaram engavetados, sem que nenhuma providência fosse adotada para esclarecer as denúncias.

A revelação coube ao repórter Sandro Barboza, do Jornal da Band.  A reportagem desta quarta-feira exibiu uma entrevista com o autor do relatório, que se mantém no anonimato por temer uma retaliação fatal. De acordo com o jornalista, um em cada cinco homicídios ocorridos em São Paulo é praticado por policiais militares. Os assassinatos são sempre justificados em boletins de ocorrência como “resistência seguida de morte”.  Muitas dessas ocorrências seriam, na verdade, homicídios cometidos por encomenda.

De acordo com a fonte do Jornal da Band, o mandante das execuções praticadas por policiais seriam criminosos ligados ao PCC. “Tanto que o senhor não vê mais esses atentados de PCC.  Então o que acontece: todas as grandes atuações do crime organizado hoje em dia acabam  cooptando maus agentes públicos para dar uma guarida”, disse o autor dos relatórios.

As vítimas, segundo a fonte, seriam invariavelmente rivas do “partido”, apelido utilizado por policiais e criminosos para se referir ao PCC. No jargão dos policiais a serviço da organização, os assassinatos são chamados de “Caixa-Dois”. O método dos criminosos de farda seria, segundo o investigador do DHPP, sempre o mesmo. Cada viatura sai para essas missões com três homens. Todos teriam participação nos grupos de extermínio. Segundo a fonte do Jornal da Band, um dos três homens deixa a viatura usando uma capa de motoboy  ou uma roupa comum, vestindo uma balaclava para tapar o rosto.

Os dois policiais que permanecem na viatura identificam o alvo e comunicam a localização da vítima ao executor do assassinato. Feito o “serviço”, o PM descaracterizado é recolhido pela viatura. Logo depois, os mesmos PMs assassinos alteram a cena do crime, mudam o local em que a execução aconteceu e seguem para atender a “ocorrência” que eles mesmos produziram.

O autor dos relatórios afirma que não é difícil materializar as provas dessa atuação criminosa. Segundo ele, bastaria levantar o sigilo das ligações telefônicas mantidas entre os PMs de aluguel para se constatar que há uma vasta comunicação antecedendo esses episódios. Mas isso, como de resto tudo, jamais foi feito.

A fonte também revela como é feita a adulteração da cena dos crimes perpetrados por policiais. Segundo ele, os PMs recolhem as cápsulas e levam a vítima a determinados hospitais, que seriam coniventes com o esquema.

Um dos casos concretos revelados pelo Jornal da Band foi o assassinato do advogado Paulo Clélio de Almeida, suspeito de ter ligações com o PCC. Ele teve sua casa assaltada no dia 20 de fevereiro passado. Os ladrões levaram mais de R$ 800 mil em dinheiro e algumas jóias. Desconfiado da participação de policiais militares, o advogado passou a investigar o assalto por conta própria. Uma semana depois, apareceu morto com o corpo crivado por 25 tiros. O autor dos disparos, ao contrário do sempre acontece, desta vez foi identificado. Quem o assassinou foi o soldado Gilson Terra.

Um dos Relatório de Inteligência conhecido na última edição do Jornal da Band também revela que os PMs corruptos usavam o QG da ROTA como escritório para articular suas ações criminosas e extorquir dinheiro de traficantes. Um dos assassinatos teriam sido tramados desta forma foi o de Fábio Fernandes da Silva, um bandido conhecido como Vampirinho. R$ 300 mil que estavam dentro do carro desapareceram misteriosamente. Ao investigar o caso, o DHPP descobriu algo ainda mais grave: o envolvimento do sargento Rafael Henrique Telhada, filho do comandante da ROTA à época.

A farsa do atentado ao QG da ROTA

Os relatórios engavetados pelo secretário Antônio Ferreira Pinto vão além das vinditas do PCC e da contratação de PMs como algozes de aluguel do “partido”. O de número 19/2010 faz afirmações que, se confirmadas, podem botar abaixo toda a cúpula da SSP.  Ele implica diretamente o Coronel Paulo Telhada, que comandou o Batalhão Tobias Aguiar até o ano passado.

No dia 31 de julho 2010, Telhada sofreu um atentado na rua onde mora. Ele conseguiu sair sem um único ferimento, embora seu carro tenha sido alvejado por pelo menos dez tiros de grosso calibre. Dois dias depois, um homem foi morto por policiais militares da corporação em frente ao QG da ROTA. Tinha uma arma na mãe direita e um coquetel molotov na esqueda.

O atentado foi atribuído pelo secretário Ferreira Pinto a criminosos inconformados com a ação do grupo de elite da PM paulista. “Desde a chegada do Telhada na Rota, há um ano e três meses, ações de expressão têm incomodado os criminosos que estão nas ruas”, declarou. De acordo com as informações da inteligência da Polícia Civil, a história é bem diferente.

No relatório que produziu sobre o caso, o investigador do DHPP descreveu Frank Ligiere Sons, o homem do coquetel molotov, como um alcoólatra, viciado em drogas, que tinha pavor de armas de fogo e não seria capaz — nem teria motivos — para uma atitude tão violenta. Frank estaria frequentando uma clínica de reabilitação e havia assumido uma religião. A família chegou mesmo a caracterizá-lo como um covarde que, a despeito do vícios, não tinha um passado criminal.

O irmão dele, no entanto, é um personagem controverso desde suas primeiras manifestações. Ex-policial militar, Ronaldo Ligieri desde o início pareceu conformar-se com o destino trágico do irmão. Apesar de afirmar que nunca havia trabalhado na ROTA, Ronaldo desculpou desde o início a PM pela execução de Frank sob a justificativa de que “conhecia mais de 80 policiais do batalhão” e “não queria prejudicar suas relações” com os colegas de farda.

De acordo com a inteligência da Polícia Civil, Ronaldo na verdade seria sócio do coronel Telhada em uma empresa de segurança. Embora não decline o nome dessa empresa, o relatório de inteligência aponta que ela fazia a escolta pessoal do apresentador Gugu Liberato quando eclodiu a farsa da entrevista de supostos líderes do PCC exibida em 2003, quando Gugu ainda trabalhava no SBT.  A armação custou caro ao apresentador, que disputava a liderança da audiência dominical vespertina com o concorrente Fausto Silva, da Rede Globo. Gugu caiu em descrédito e nunca mais conseguiu recuperar o prestígio que tinha entre as classes D e E.

O relatório sugere que a execução de Frank foi tramada para desviar a atenção de outros crimes envolvendo policiais militares que vinham sendo investigados pela Polícia Civil. E afirma categoricamente que PMs se fizeram passar por investigadores civis para desvirtuar o que vinha sendo apurado.

O filho do ex-comandante da ROTA, conhecido como Telhada Filho, teria envolvimento com várias ações criminosas. O Relatório afirma que em um galpão pertencente a ele foram apreendidos R$ 5 milhões em mercadorias (provavelmente roubadas). Telhada Filho também teria pedido a supressão temporária do policiamento na região de Perus, na Zona Oeste de São Paulo, para facilitar a ação de uma quadrilha de ladrões de caixas eletrônicos. Um sargento honesto teria  sido procurado por ele para tal fim. Ao receber uma oferta de dinheiro para cumprir o que lhe era pedido, o sargento teria decidido comunicar o fato a seus superiores hierárquicos — e recebido uma punição como prêmio.

As afirmações contidas no documento trazido à luz por Sandro Barboza são gravíssimas, mas não devem aprioristicamente ser tomadas como expressão absoluta do submundo dos quartéis. O fato a estranhar é que elas não geraram nenhuma consequência formal. Não há um só inquérito, uma sindicância aberta a partir dos dados coletados pelo investigador do DHPP, apesar de a cúpula da Secretaria de Segurança ter sido informada de seu conteúdo.

Para o Ministério Público e a Secretaria de Segurança Pública, as informações seriam facilmente verificáveis. Ali estão apontados nomes, datas, locais e as circunstâncias em que os crimes supostamente foram cometidos.

Até agora, o governo do Estado de são Paulo e a SSP vêm se mantendo em um silêncio letárgico, apesar de todas as tentativas do repórter de ouvir fontes oficiais.

 

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