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Por que as mulheres jornalistas estão salvando a nossa democracia

Assim que o pesadelo do governo Bolsonaro terminar nós vamos ter que parar para reverenciar as mulheres jornalistas. Elas resistiram aos ataques mais vis e às campanhas mais infamantes com dignidade, coragem e competência. Foram os grandes alvos da infantaria selvagem do exército inimigo da liberdade de imprensa. Mas sobreviveram a ela e a superaram.

Embora ainda não seja ainda possível prever como esse inferno vai terminar, se vai haver golpe, guerra civil ou nada, já se pode cravar com certeza que, com a força delas, o jornalismo venceu o nacional-populismo em sua investida para controlar a opinião pública no Brasil.

Coube a Juliana Dal Piva recuperar para o jornalismo a bandeira da vitória no Iwo Jima imaginário em que Bolsonaro transformou a comunicação social. Seu primogênito usou contra ela a mais letal de todas as armas institucionais — a censura . A batalha contra essa abjeção aconteceu nove dias antes da eleição mais importante da história. E empolgou o País.

Quatro semanas antes, o capitão-general instigou pessoalmente e ao vivo suas tropas contra Vera Magalhães. Tocou o apito de cachorro no palco do primeiro debate entre os candidatos à Presidência da República.

Os ouvidos de Douglas Garcia captaram o silvo e seu cérebro curto o enviou à TV Cultura para cumprir a ordem com canina lealdade. No bolsonarismo raiz, missão dada é missão cumprida. “Um manda, o outro obedece”, diria o filósofo Pazuello, ainda que a ordem seja a de empreender um odioso assédio moral coletivo, como a qualificaram a FENAJ e centenas de entidades da sociedade civil.

O lobo solitário Douglas Garcia também cedeu munição para que os milicianos da Jovem Pan atingissem Fabíola Cidral com disparos de fake news. As balas ricochetearam em Amanda Klein, que demonstrou que é possível ter um comportamento digno até quando se está dentro do QG do inimigo.

Chacais como o deputado estadual paulista existem aos milhares nas fileiras do bolsonarismo. Alguns são especialmente atrevidos. Frederick Wassef, advogado com cara e jeito de capo siciliano, teve a petulância de ameaçar Juliana Dal Piva diretamente pelo Whatsapp: “Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema político que você tanto ama faria com você. Lá na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo”.

Bolsonaro odeia as mulheres jornalistas por dois motivos: porque elas são mulheres e porque são jornalistas.

A condição profissional as coloca necessariamente na alça-de-mira de todo tipo de inimigo da democracia. O Código de Ética da categoria prescreve que “é dever do jornalista opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão” (FENAJ, Art. 6º). Quem sai de casa cedo para cumprir esse mister não deve esperar receber flores de fascistas e neonazistas à noite, quando retornar.

O machismo paleozoico é a anfetamina que anima os milicianos do bolsonarismo. O pai que teve uma filha porque fraquejou não há de prezar a filha de qualquer outro pai.  Somente a mais profunda e absoluta misoginia poderia levar um ser a defender que mulheres devem receber menos do que os homens em pleno Século XXI.

Ou ao despautério de afirmar que uma mulher mereceria ser estuprada se não fosse feia, única paráfrase possível para “jamais te estupraria porque você não merece”.

O etos bolsonarista explica a vileza de um homem que chegou ao mais alto posto de uma República e se rebaixou ao ponto de valer-se de chula grosseria para insinuar que Patrícia Campos Mello prometeu algum favor sexual a um jagunço miliciano em troca de informações . Para ser entendido pela choldra, roubou do jargão jornalístico a expressão “dar o furo” e a transformou em pornografia e vulgaridade.

Esse etos também explica as manifestações doentias do deputado Eduardo Bolsonaro, que fez uma alusão às sevícias sofridas por Miriam Leitão com o uso de uma serpente nos porões do regime que a família louva até hoje. “Ainda com pena da cobra!”, exclamou pateticamente no Twitter o homem que tem que se haver todos os dias com o apelido de “Bananinha” dado por uma ex-namorada.

Constança Rezende, Mônica Waldvogel, Madeleine Laksco, Andréia Sadi, Sherazade — todas elas estiveram sob ataque do bolsonarismo e dos bolsonaristas. Passados já quase quatro anos que essa guerra foi declarada, eles ainda não perceberam que a brutalidade masculina, a violência e a mentira são armas poderosas para quem não tem limites, mas não asseguram a vitória no campo de batalha.

Apesar do sofrimento e do sacrifício pessoal impostos às mulheres que optaram pelo jornalismo, elas estão vencendo. Com coragem, ética, respeito, competência, obstinação e uma imensa capacidade de trabalho, elas estão superando a barbárie, a entropia e o caos dos extremistas que acharam um dia que poderiam intimidá-las e calar o jornalismo.

Elas deixaram claro que não, não podem. E assim vão salvando a nossa atormentada democracia.

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