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1865, o ano que não acabou

Enquanto aguardamos que o eleitor do Maine decida quem vai presidir o mundo, vale a pena observar que há algo estarrecedor já consagrado pelas urnas norte-americanas. Os Estados Unidos de 2020, no tocante ao ânimo político da opinião pública, estão tão vulneráveis ao fascismo quanto esteve a Alemanha em 1930.

Humilhados pela perda do protagonismo econômico, arrastados por empresas europeias pela irrelevância tecnológica na guerra do 5G, os eleitores dos grotões dos Estados Unidos se tornaram simpatizantes declarados do fascismo de Trump. Trump fez da globalização seu Tratado de Versailles. E com ele açoitou a autoestima do trabalhador americano.

Eles ainda não se libertaram do racialismo, adorariam ter de volta a escravidão, odeiam a ideia de que pessoas do mesmo sexo possam ter uma relação reconhecido pelo Estado e constituir uma família, têm aversão ao estrangeiro e formam uma amálgama fundamentalista digna do tempo das cruzadas.

Para essa gente, o direito mais importante expresso na Constituição americana é o da Segunda Emenda – aquela que permite a todo cidadão possuir uma arma. Liberdade, igualdade, fraternidade e justiça são palavras ou expressões sem significado em face da avalanche retrógrada que está a soterrar o que ainda restava do Iluminismo.

Uma saneadora espiral do silêncio cuidava de manter envergonhados esses seres, que parecem ter saído do fundo do Reino de Hades para assombrar a humanidade. Sim, eles existem. Talvez tenham existido desde sempre – nós é que não os notávamos antes.

Agora que a estupidez e a ignorância triunfaram como valores e a burrice passou a ser objeto de ostentação, eles tomaram as ruas e as urnas. Com armas na cintura e votos explosivos, coloriram de vermelho praticamente todo o interior dos EUA. Não fosse pelo débil contorno azul dos estados costeiros, não haveria contraponto na América ao discurso odiento de Trump.

Mas o que quer essa gente toda? Quer bramir contra o comunismo, açoitar a ciência e exigir o direito de contaminar multidões ao não se vacinarem. Querem transformar escolas em igrejas e igrejas em escolas quando não for possível educar os filhos em casa, a salvo das ameaças que o processo educacional nas escolas pode representar.

Querem acabar com as mesuras e a gentileza que fizeram da democracia o que ela é – um regime mais humano, ainda que imperfeito.

A esta altura, com a eleição nos EUA ainda indefinida, não sabemos o que vai acontecer com esses fantasmas do pescoço vermelho. Mas é certo que a era do despudor e da infâmia que os retirou da lama do Hades não será encerrada com a derrota eventual de Donald Trump, uma das cabeças dessa hidra.

Pode ser que o acirramento da tensão política e do ódio levem os Estados Unidos direto para o ano de 1865. Lutas raciais, guerras identitárias, a profusão de milícias muito bem armadas, tudo isso leva ao temor de uma nova Secessão, com os Confederados atacando não mais do Sul para o Norte, e sim do centro para as periferias a União encastelada nas metrópoles litorâneas.

Ainda que essa antevisão constitua um exagero, o certo é que, se não fizermos um esforço  de fortalecimento e revalorização da democracia representativa, eles estarão por aí, à espreita da primeira oportunidade de matar o regime e tomar para si o Poder que, sem limite, pode até não nos entregar de volta ao ambiente selvagem do General Lee, mas serve como ferramenta para calar, machucar e oprimir.

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