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Em busca do aquecimento III – Cadê a água que estava aqui no mar ?

A geleira de Itu: Parque do Varvito, que mostra camadas sobrepostas no fundo de um lago há 280 milhões de anos

Continuo em busca de elementos que me façam crer que o homem, com a sujeira que tem feito na atmosfera do planeta, está provocando o aquecimento rápido do globo terrestre. Encontrei muita gente adepta de um ou outro lado do problema, mas ainda não consegui formar uma opinião a respeito do assunto.

Ou seja: continuo angustiado com as duas hipóteses que o maniqueísmo ambiental nos brinda: uma, a perspectiva de que o mundo vai dar um coice climático nos humanos com a alteração severa e rápida do regime de chuvas, temperatura e nível do mar; outra, a de que todas essas previsões catastróficas não passam de um engodo que nos forçam a engolir.

Nessa busca visitei alguns lugares interessantes. Fui conhecer dois sambaquis no litoral sul de São Paulo. A presença deles  a quilômetros de distância da linha da praia dos dias de hoje me convenceu que o mar já esteve cinco, seis metros mais alto quando os primeiro humanos deram sinal de sua presença na América do Sul.

Estive também em uma geleira em Itu, no interior de São Paulo.

O que ? Uma geleira em Itu ?

Isso mesmo. Uma geleira bem aqui pertinho da gente, num lugar onde a média da temperatura fica próxima à casa dos 20 graus centígrados. Próxima em distância, mas distante no tempo.

É claro que essa geleira não existe mais. Mas suas marcas estão muito bem impressas no terreno de um tipo de rocha sedimentar chama varvito. Essas rochas foram descobertas quando uma pedreira começou a explorar a jazida anos atrás. Encerradas suas atividades, o buraco remanescente foi transformado em parque — um parque muito ajeitadinho, interessantíssimo e que vale a pena conhecer.

Quem me acompanhou nessa incursão foi o paleoclimatologista Kinitiro Suguio, um homem de 75 anos de idade que tem amor profundo pelo que a geologia tem a revelar sobre o passado, o presente e até o futuro da Terra. E foi ele quem me contou como foi que se formou a geleira. E mais: como ela pode ajudar a decifrar o mistério que cerca o aquecimento global contemporâneo.

Bem, a geleira de Itu existiu há 280 milhões de anos. A vida no planeta ainda se encontrava aprisionada na água. Os dinossauros, por exemplo, iriam aparecer centenas de milhões de anos mais tarde. Nas camadas reveladas pela lavra pode-se ver as pegadas e rastros de artrópodes aquáticos que vieram ali enquanto o lago se formava. Centopéias e lacraias, decerto, com seu passo calmo e irregular. Incrível ver isso agora.

Sabendo-se como o clima é hoje, pode-se inferir leigamente que as coisas mudaram muito de lá para cá. Primeiro, as placas tectônicas que formam os continentes mal começavam a se desprender umas das outras, iniciando sua lenta viagem pelos oceanos. Imagine bem a dimensão do tempo que transcorreu desde então: as placas se deslocam na velocidade em que crescem as unhas humanas. Nesse interim, elas já se distanciaram mais de 4 mil quilômetros.

Voltemos a Itu. Os geólogos e paleontologistas sabem que aquilo era um fundo de lago de geleira porque é assim que se forma o varvito. Ainda hoje se pode ver esse tipo de ocorrência em processo de formação no Hemisfério Norte.

Ao lado, a poucos quilômetros de distância, há outro parque que deixa isso cristalino como a água que escorre de uma banquisa de gelo. Na cidade de Salto, quem quiser pode conhecer o Parque Rocha Moutonée. Ali estão as marcas deixadas pelo deslocamento do gelo, cicatrizes indeléveis feitas pelo movimento dos blocos de gelo em estado sólido.

Não sei a água do lago de Itu é proveniente da geleira de Salto, nem sei se existe uma resposta para isso. O importante mesmo é saber que há duas provas geológicas de que houve mesmo uma grande geleira naquele local, que está a mais de 500 metros de altitude.

Mas o que isso tem a ver com o aquecimento global ?

Em princípio, nada. Mas ajuda bastante a esclarecer algo bem interessante. Primeiro, que as condições climáticas eram bem diferentes um quarto de bilhão de anos atrás. Sempre que a gente pensa na evolução do clima, é natural que, à luz do que aprendemos nos primeiros anos da escola, imagine-se que a Terra só fez esfriar ao longo das eras geológicas.

O que pode ser visto no interior de São Paulo, no entanto, deixa claro que não foi nada disso. Houve muitos períodos de frio intenso, eras inteiras de glaciação que se repetiram muitas e muitas vezes ao longo da existência do planetinha azul.

Mas se havia geleiras ali, de onde vinha a água ? Foi a pergunta que o Blog deixou no ar ontem. Admito que a pergunta é meio cretina. Todo mundo sabe que a água das geleiras vem do mar, não é verdade ? Agora, pense bem: se nessa latitude, praticamente em cima do Trópico de Capricórnio, onde o sol fica a pino no verão, havia gelo, o que é que estava acontecendo no restante do planeta ?

Bem, talvez a latitude ao tempo da geleira de Itu não fosse a mesma de hoje. Mas é certo que a Terra atravessava um período de temperaturas muito, muito baixas mesmo. Em função disso, a água que evaporava do mar produzia precipitações em forma de neve e gelo. Como a temperatura estava abaixo de zero, o gelo ficava por ali mesmo, derretendo apenas nos verões. Nos invernos, voltava a acumular água em estado sólido e crescia novamente.

Isso acontecia ao mesmo tempo em praticamente todo o planeta — exceção, talvez, às regiões mais próximas à linha do Equador.  Para não dizerem que esse negócio de glaciação é coisa de direita, é necessário esclarecer que havia geleiras também na Venezuela muito antes que o ovo do dinossauro Hugo Chavez eclodisse.

O professor Kinitiro Suguio me explica: o aguaceiro sólido que se formou sobre Itu e cobriu boa parte da superfície da Terra drenou os oceanos. Na costa brasileira mesmo há muitas evidências de que o mar já esteve cerca de cem metros abaixo do nível atual. Imagine o tamanho das praias, que iam do ainda inexistente Guarujá até o precipício que delimita o fim da plataforma continental.

Não era bem assim, mas era mais ou menos assim.

O Parque do Varvito tem outras coisas intrigantes. Fiz uma marca vermelha na foto aí ao lado para destacar um detalhe interessantíssimo. Entre as camadas de rocha que se alternam (cada uma representa um ano geológico), de vez em quando aparecem rochas basálticas arredondadas. Essas rochas não existiam na área do lago. Sua composição química difere radicalmente da rocha que ia sendo formada no fundo do lago.   Uma é sedimentar. Areia que foi se depositando ali ao longo de milênios. Outra é ígnea, foi expelida sob a forma de lava de algum vulcão muito tempo antes.

Mas como essa pedra redonda foi parar ali, entre as camadas de varvito ? Quando o professor Kinitiro me perguntou isso, as duas únicas hipóteses que fui capaz de esboçar me deixaram envergonhado (pela ignorância aguda). Ou algum ET carregou, ou um engraçadinho do permiano mezozóico a atirou.

Ocorre que, segundo meu guia, não havia engraçadinhos no permiano mezozóico capazes de atirar pedras em lagos de geleira. A explicação para aquilo é arrebatadora. A rocha foi levada até o lago porque estava incrustada num iceberg. Incrível, não ? Deve ter rolado de alguma montanha, ficou presa na geleira e acabou sendo arrastada por um bloco de gelo do qual se desprendeu quando ele derreteu dentro do lago. Depois, foi sendo lentamente enterrada pelas novas camadas sedimentares que iam se formando.

Vamos agora dar um pulo no tempo em direção ao presente. Fazemos uma escala rápida no início da Revolução Industrial. Vamos encontrar em Londres uma alegre feira montada sobre o rio Tâmisa congelado. Gente alegre, mercadores, crianças escorregando… Era assim na capital da Inglaterra até 150 anos atrás.

Frost Fair: o Rio Tâmisa congelava antes do aquecimento do globo

As chamadas “Frost Fairs” ficaram eternizadas em ilustrações como esta aqui ao lado. Há dezenas delas no diretório de imagens do Google. Depois, a partir de meados do Século XVIII, o Tâmisa nunca mais congelou. O que significa isso ? Significa que havia invernos muito mais frio na Inglaterra dos nossos bisavós. Os meus eram italianos, mas também sofriam com o frio extremo.

Foi mais ou menos nesse momento da história que a atmosfera começou a esquentar. Dizem os ambientalistas mais empedernidos que isso aconteceu por causa das emissões de CO2, que aumentaram com o advento das primeiras máquinas a vapor. E pioraram efetivamente a partir da segunda década do Século XX com o aprimoramento da tecnologia e a massificação de engenhocas poluidoras como os automóveis, grande envenenadores do ar.

Mas ao tempo das Frost Fairs não havia ainda tanto carbono disperso na atmosfera a ponto de provocar mudanças climáticas. E a Terra começou a esquentar. Dizem os céticos que isso tudo se deu graças a uma série de processos naturais: ciclo solar, variações da órbita terrestre, influência da lua etc.

É fato inconteste que as temperaturas seguiram em alta até por volta do ano 2000. “Culpa da civilização consumista”, bradam em coro os ecochatos de plantão. Talvez eles tenham alguma, mas não toda a razão. Se processos análogos aconteciam de maneira tão frenética antes do homem, a probabilidade de que o aquecimento das últimas décadas seja apenas a reprodução desses processos cíclicos é bem grande. Aqui, ponto para os céticos.

O guru do ceticismo brasileiro, Luiz Carlos Molion,, professor da Universidade Federal de Alagoas, de uma universidade americana e outra europeia, vai mais longe: não apenas o planeta parou de se aquecer, como há indícios sólidos de que tenha volta a esfriar.

Estaríamos caminhando em direção a um novo período de glaciação ?

A resposta amanhã neste mesmo batcanal.

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