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Yoani Sanchez, a guerrilheira da internet, em entrevista ao Blog: “Em Cuba, a palavra livre é muito perigosa”.

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Yoani Sanchez, filóloga, blogueira, é talvez o rosto mais conhecido de Cuba no exterior na atualidade. Paradoxalmente, ela é quase que completamente desconhecida em seu próprio país, onde a internet é considerada inimiga da pátria. Entrincheirada em seu apartamento, armada apenas com um notebook, ela trava uma guerra sem tréguas com a ditadura dos Irmãos Castro. O regime reage com o ostracismo, o banimento civil e, algumas vezes, com a coação física.

Tive o prazer de conhecê-la no dia 31 de janeiro, quando a Presidente Dilma Rousseff aterrissava em Havana para iniciar uma visita oficial de dois dias. Durante duas horas, em seu apartamento, Yoani descreveu o cenário político e as dificuldades impostas pelo governo aos que se aventuram em desafiar as restrições à liberdade de expressão em Cuba. O resultado é a entrevista que transcrevo a partir de agora.

Blog do Pannunzio – Por que você começou a denunciar violações de direitos humanos em Cuba ?
Yoani – Foi um processo muito longo. Começou quando eu passei a fazer perguntas sobre a minha realidade. A pergunta que me deixava obcecada  era por que meu país não se parecia com aquele que me prometeram quando eu era uma criança. Essas indagações foram tomando minha mente o tempo todo. Em abril de 2007 decidi criar um blog chamado Generación Y. Decidi narrar o que a imprensa de meu país silencia, oculta. E sobretudo colocar publicamente as dúvidas que me assaltavam a mente. A minha necessidade de expressar-me nasceu, sobretudo, do meu inconformismo.
Blog do Pannunzio – Como é o processo de censura aqui em Cuba ?
Yoani – A censura em Cuba se realiza de muitas maneiras. Desde pequeno, te inoculam no hipotálamo que há muitas coisas proibidas, muitas coisas que não se pode dizer. As crianças, desde pequenas, desenvolvem uma dupla moralidade: que se pode falar na escola o que não se pode dizer em casa,  o que não pode ser afirmado na frente de uma professora, de um oficial. Isso vai criando uma mentalidade de autocensura que te acompanha por toda a vida.
Quando as pessoas rompem essa autocensura e se atrevem a opinar e a falar publicamente, vem a censura oficial, que tem um amplo espectro. Você pode perder o emprego,  pode ser satanizado publicamente, como ocorreu no meu caso. Podem te impedir de sair do país, o que também aconteceu comigo.  Se você tem aspirações de melhorar de salário, de ascender na carreira, pode comprometer todo  o seu futuro profissional se der a sua opinião.
Blog do Pannunzio – Você mesma é formada em filologia…
Yoani – Isso. Eu me formei em uma especialidade que tem a ver com as palavras, a língua, com o idioma, e rapidamente descobri que não poderia unir palavras livremente. Não se pode. Aqui em Cuba, a palavra livre é muito perigosa.
Blog do Pannunzio – E por que o governo teme tanto a liberdade de expressão ?
Yoani – Porque é um sistema que vem se especializando há 50 anos em esconder fatos nacionais e internacionais, em mentir, distorcer e silenciar. É um sistema muito sensível ao fluxo de informações. O governo fica atemorizado diante de alguém que para em público e diz que não está de acordo . É algo que atormenta o governo porque pode ser contagioso. Se as pessoas na rua veem que eu assinalo, critico o que não gosto, fazem coro com a inconformismo. Então, o Estado tem que castigar o que se atreve de várias maneiras: com a repressão,  com ameaças, com a cadeia…
Blog do Pannunzio – E qual foi o castigo que você recebeu ?
Yoani – Passei por quase tudo ao longo desses quatro anos que se passaram desde que abri o blog Generación Y. Fui intimada pela polícia, me impediram de viajar, fui sequestrada em duas ocasiões  por desconhecidos que nunca foram identificados – e que evidentemente são da polícia política. Meu blog ficou três anos censurado no interior de Cuba – afortunadamente, agora já se pode lê-lo em todo o País. Tenho muitas histórias tristes para contar, mas também tenho histórias maravilhosas.
Blog do Pannunzio – Voce chegou a ser torturada ?
Yoani – Houve ameaças, golpes. Machucaram bastante a região do meu pescoço e a minha lombar em novembro de 2009, quando três desconhecidos me enfiaram à força dentro de um carro. Ele me golpearam, um deles se sentou com o joelho em cima do meu peito. Fisicamente, foi um choque bastante forte. Felizmente isso durou pouco.
Blog do Pannunzio – Você teme pela sua integridade ?
Yoani – Temo pela minha integridade social. Mais do que qualquer dor física, temo o peso do Estado totalitário quando cai sobre o indivíduo. Ele pode te fazer desaparecer legalmente, pode te converter em uma não-pessoa. É disso que eu tenho  medo.
Blog do Pannunzio – Isso acontece mesmo aqui em Cuba ?
Yoani – Acontece sim. O Estado aqui é dono de tudo.
Blog do Pannunzio – Você hoje é um dos rostos cubanos mais conhecidos no exterior. Aqui em Cuba as pessos sabem quem você é ?
Yoani – Aqui em Cuba o acesso à internet é muito limitado. Então, é preciso que as pessoas tenham uma maneira de acessar o cyberespaço. Outro problema é a apatia nacional a temas políticos. A população é apolítica, apática, indiferente. Esse é o resultado do excesso de doutrinamento ideológico. As pessoas se fecham numa concha, vivem exclusivamente em função da sobrevivência – de buscar a comida, tentar conseguir uma roupa, tratar de escapar, de emigrar… As pessoas têm pânico de discutir temas complicados. Em função disso, o que fazem ? Usam a internet para tentar conseguir um visto, encontrar um emprego em outra parte do mundo. Todos têm muito medo. Apesar disso, meu termômetro pessoal diz que está crescendo a influência dos espaços independentes dos blogs na cidadania cubana.
Blog do Pannunzio – Você acredita que a internet pode vir a ter um papel centra nas reformas liberalizantes que vocês desejam para o seu país ?
Yoani – Creio sim. Até porque estou tentando promover as mudanças através da palavra, da tecnologia. A sociedade civil cubana está totalmente fragmentada, desconectada, desfeita. E a tecnologia, os telefones celulares, as redes sociais, podem funcionar como um elemento aglutinador. Quando você vive em um país que jamais vai te dar um minuto sequer na televisão estatal, nenhuma linha num jornal para incentivar um debate polêmico, então a única possibilidade que te resta é apelar aos kilobytes, apelar ao mundo digital.
Blog do Pannunzio – Mas acessar a internet aqui é não é muito caro e difícil?
Yoani – É sim. Nós estamos impedidos de nos comportar como cidadãos do século XXI, de integrar a aldeia global, de conectar e ter acesso à internet em casa, participar de chats, das redes sociais. Isso porque a internet foi convertida pelo governo numa espécie de monstro bestial, porque teme-se que a internet consiga trazer para nós notícias sobre a nossa realidade. Por exemplo: algumas semanas atrás um prédio desmoronou e, segundo as estatísticas oficiais, quatro pessoas morreram. As pessoas só ficaram sabendo que isso tinha acontecido graças a alguns blogues e aos twitteiros, que enviavam fotos e pequenos textos. Só depois disso é que a televisão oficial noticiou o desabamento – e ainda assim, apenas porque a informação foi difundida por fontes alternativas. A diferença entre a informação na internet e na imprensa oficial foi de algumas horas porque, nesse caso, houve muita pressão dos blogueiros.  O espaço de tempo que decorre entre a ocorrência do fato e sua divulgação na TV oficial  hoje é menor graças exatamente à pressão da internet, pelo imediatismo do jornalismo independente. Até alguns anos atrás, os cubanos emudeciam, Agora, estamos obrigando-os a falar. Mas o que passa é que, na visão do governo, cria-se um ambiente de muita instabilidade entre a população quando se noticia que em menos de nove dias tenham ocorrido três desabamentos em Havana. Na visão do governo, se tudo o que ocorre fosse noticiado, a alarme dispararia.
Blog do Pannunzio – Mas nem isso, uma tragédia derivada de um desmoronamento, é permitido noticiar ?
Yoani – Normalmente, não se falava nada. Há dez anos, com certeza não seria noticiado. Agora estamos obrigando-os a narrar essa zona escondida da realidade. Todavia, descrevem fatos dessa natureza ocultando detalhes.  O que mudou aqui nesse últimos quatro anos  é que os canais alternativos de informação estão provocando mudanças também nos canais deformados do Estado.  Um exemplo: em Cuba, apesar de todas as limitações derivadas do controle da censura, as pessoas já estão aprendendo a buscar outros caminhos para acessar informações. Há antenas parabólicas que são muito perseguidas. Uma pessoa que tenha uma antena parabólica para captar o sinal da televisão de Miami e do México, da zona central do Caribe, pode ter o equipamento confiscado, ser penalizada com uma multa e pode até parar na cadeia. Apesar disso, as pessoas têm antenas parabólicas escondidas.  Ficam dentro de caixas d’água,  atrás de uma cortina, uma janela. Os cubanos são muito engenhosos para burlar tudo o que está proibido. O mesmo ocorre com nossos blogs, nossos artigos. A população cubana não tem acesso à internet. Sem embargo, nosso textos circulam muito em cópias alternativas – memórias flash, CDs, DVDs, cópias impressas em papel. Eu tive uma experiência muito bonita m Santiago de Cuba. Estava em um pequeno povoado e uma pessoa me reconheceu na rua porque um dia alguém emprestou a ela uma memória flash com artigos do meu blog. Isso é como um vírus que o governo não pode conter.

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