Uma análise rápida dos dados contidos na contabilidade paralela da Odebrecht coloca mais dúvidas do que certezas. Quero compartilhar com vocês algumas poucas observações que demonstram a dificuldade de se encontrar lógica em algo aparentemente incompleto e ilógico.
Os papéis apontam doações de R$ 216 mil para Aécio Neves. Consultando os registros do TSE, fica patente que o senador mineiro recebeu muito mais do que isso. Foram R$ 3 milhões em três operações distintas. A construtora Norberto Odebrecht doou R$ 1 milhão no dia 14 de agosto de 2014. A Braskem doou R$ 1 milhão na mesma data e fez outro aporte de R$ 1 milhão em 26 de setembro.
A anotação da planilha vazada pela Polícia Federal, portanto, não faz nenhum sentido. Os valores expressos nela correspondem a apenas 28% do que entrou ‘legalmente’ na campanha do candidato tucano.
Pergunto: o que justificaria essa subnotificação ? Não serve para nada, nem do ponto de vista legal, nem do ponto de vista político. E por mais que os adversários de Aécio queiram, a planilha da contabilidade paralela não serve também para equipará-lo aos nababos petistas que se refestelaram com o dinheiro da PETROBRAS.
Agora vamos pegar um caso inverso, o do petista Fernando Haddad.
Com é notório, a administração de Haddad não pode ser confundida com a clepto-república criada pelo PT em Brasília. Por mais que se critique a gestão do prefeito paulista, não há registro de nenhum escândalo que possa equipará-lo a gente como Zé Dirceu, Vaccari etc., desafortunadamente seus colegas de partido.
Pois há uma divergência importante entre a contabilidade paralela e a oficial no que diz respeito à campanha em que Haddad se elegeu prefeito de São Paulo.
Na planilha do TSE, a Braskem aparece como doadora de R$ 100 mil para o diretório municipal do PT. Na planilha paralela da Odebrecht, no entanto, há duas anotações. Haddad teria recebido, no total, R$ 3 milhões da Braskem, trinta vezes mais do que os recursos integralizados pelo caixa-um.
À luz do que aconteceu desde que Haddad assumiu a prefeitura, a contabilidade paralela parece não fazer sentido. Salvo em relação à Lei das Sacolinhas (lei sobre isso aqui), as empreiteiras enroladas na Lava Jato não tiveram nenhuma facilidade nos últimos três anos em São Paulo.
A Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez tiveram um prejuízo de R$ 105 milhões com o fim da Controlar. As chamadas Sete Irmãs da Lava Jato, consórcio de todas as empreiteiras castigadas pelo juiz Sérgio Moro, perderam a obra do túnel da avenida Águas Espraiadas, estimada em R$ 2 bilhões.
E há um episódio especialmente interessante nesse momento em que as desconfianças parecem nivelar ao rés da lama todos os políticos: a construção do Itaquerão. Fernando Haddad se desentendeu feio com a diretoria da Odebrecht quando um de seus diretores, Luis Bueno, foi ao gabinete do prefeito para tentar forçá-lo a recomprar os Certificados de Investimento e Desenvolvimento (CIDs) emitidos pela Prefeitura para a construção do estádio.
Os CIDs foram emitidos pela municipalidade em benefício do Corinthians, que deveria vender os títulos no mercado para arrecadar R$ 420 milhões a serem empregados na construção da arena. Só que o clube não conseguiu comercializar os papéis. E quando o executivo da Odebrecht foi devolver o mico a Haddad, acabou sendo expulso do gabinete pelo prefeito.
Haddad nega, por meio de sua assessoria, que tenha recebido o dinheiro que aparece na contabilidade paralela da Odebrecht. É plausível a negativa. Mas uma fonte do blog na Prefeitura, com amplo conhecimento da estrutura que dá suporte à atividade política de Fernando Haddad, admite que o dinheiro da Odebrecht pode sim ter ingressado indiretamente na campanha — ainda que sem o conhecimento do então candidato.
O problema, segundo a fonte, é que a legislação praticamente obriga os candidatos a esse tipo de situação. A lei manda declarar todo o dinheiro que ingressa por meio de doações legais. Mas as campanhas são invariavelmente deficitárias. A de Haddad teria fechado com um prejuízo de cerca de R$ 30 milhões.
Feitas as contas, declarados os ingressos, o remanescente segue para o Diretório Nacional dos partidos. É nessa instância que são feitos os acertos para quitar débitos. E é justamente aí que reside o problema.
Não é necessário descer às minúcias para saber o que se passava nas instâncias superiores do PT. A Lava Jato já descreveu em detalhes como o partido operava na boca do cofre da PETROBRAS. E os diretórios nacionais estavam desobrigados de relacionar o dinheiro destinado a cada candidato depois do fechamento das contas.
Feitos estes apontamentos, resta apenas dizer que essa lista, que os políticos estão chamando de Lista do Apocalipse, serve sim para ajudar a dimensionar o poder desse império do crime chamado Norberto Odebrecht. Um organização que foi além da ética e muito além da lei para se estabelecer com tanta proeminência no mundo das obras estatais.
Fora isso, talvez os dados vazados pela Polícia Federal sirvam também para esclarecer o tipo de relação quer certos políticos mantinham com esse conglomerado. Mas para que se chegue a isso vai ser preciso investigar cada caso para, como mandam os axiomas do direito penal, individualizar as condutas.
Até que isso seja feito, tudo o que se disser sobre essa lista não passa de especulação. Que, no limite, se presta apenas para generalizar suspeitas e ampliar o fosso em que jaz a política brasileira.